O problema não é a urna, mas seu sistema – Coluna da Jayana da Silva
Aproveitando a discussão em torno do voto auditável, acho importante destacar que o debate deve ser, antes de tudo, técnico! Não deveria haver espaço para posicionamento à direita ou à esquerda, o que está em questão é a democracia e a confiança do povo neste sistema.
Eu já acompanhei muitas eleições de perto, já fui fiscal do partido em algumas delas, e vejo pouca abertura para fraudes na urna depois que ela sai do TSE. Para mim, enquanto leiga interessada no assunto, que buscou se informar sobre as barreiras de proteção criadas pelo Supremo Tribunal Eleitoral, o grande problema está no sistema que é instalado nela.
Para entender este percurso, vou começar mais ou menos de trás para frente e, ao final, explicarei as dúvidas acerca do sistema.
No dia da eleição, as urnas chegam lacradas às seções eleitorais (locais da votação). O lacre, então, deve ser conferido pelos mesários, fiscais partidários (indicados por cada partido político) e fiscais do TSE. Após todos atestarem a integridade do lacre, elas são abertas e ligadas à tomada — lembrando que não há conexão delas à internet. Já ligadas na frente dos fiscais, técnicos do TSE imprimem um extrato dela, em que devem aparecer os nomes de todos os candidatos com a votação ZERADA. Após todos a conferência de todos, pode ser iniciada a votação pelos eleitores.
Cada eleitor deve assinar uma ata antes de votar para que seja conferido o número de assinaturas com o número de votos totais. Ao final do dia, quando a votação é encerrada, os fiscais dos partidos, do TSE e os mesários, imprimem um extrato físico do resultado daquela urna, que pode ser levado para casa pelos mesmos e fica publicado na porta da urna para a conferência de todo o público.
Este extrato, com o resultado da votação individual de cada urna (seção), impede que o número de votos seja alterado posteriormente, pois o Tribunal Superior Eleitoral divulga os resultados POR SEÇÃO em seu site, o que torna, então, perfeitamente possível uma auditoria no processo de contabilização dos votos.
Fechado esse ciclo, aparentemente perfeito, eu, pessoalmente, fico com uma dificuldade muito grande de confiar no sistema que alimenta a urna (e que vem antes de todo esse processo que descrevi). Afinal, não sei sobre linguagem computacional: infelizmente, não aprendi a programar e, mesmo que me mostrem o código-fonte, eu teria que acreditar no que me falam sobre ele. Não é o processo mais transparente. Pode ser o mais ágil, o mais “moderno”, mas, com certeza, não é o mais transparente. Algo de difícil compreensão ao cidadão comum pode ser manipulado sem que nós sequer saibamos identificar possíveis fraudes que possam estar acontecendo bem ali, na frente dos nossos olhos. É como se nos mostrassem um texto no idioma japonês e, ao chamarmos um tradutor, toda nossa confiança seria depositada na honestidade dele.
Fiscais da OAB, dos partidos, do Ministério Público e da Polícia Federal têm acesso ao código fonte da urna 180 dias antes da eleição, mas o que acontece depois desta data até o dia da eleição não é mais acessado. No dia em que as urnas são lacradas para seguirem para as suas respectivas zonas eleitorais, esses mesmos fiscais podem estar presentes e testar o sistema, mas quem garante que o sistema testado em um simulador seja o mesmo que está em todas as urnas? O TSE afirma, ainda, em seu site, que há um registro de todas as alterações feitas neste código-fonte e que, se alterado por pessoas de fora, ele pararia de funcionar e ainda registraria o fato. Acontece que houve um acesso a esse código-fonte em 2018, ele foi registrado, mas os dados desse acesso foram apagados, porque há um limite de 80 GB, que, quando atingido, as informações são automaticamente excluídas. Ou seja, houve alterações dos dados por hackers e o TSE identificou isso, mas os registros de quem o fez não estão mais salvos.
Tudo isso são informações passadas pelo órgão que planeja, executa, fiscaliza, acusa, defende e julga as eleições. O TSE é o fiscal de si mesmo. Quem não entende de programação, assim como eu, basta saber que é isso que comanda o que faz uma máquina (chamado hardware). É o programador que define cada comando. Sem esse software (sistema), nosso celular é apenas um pedaço de metal com vidro. Não acredito que um programador definiria o percentual de cada candidato antecipadamente. Seria um risco muito grande de evidenciar uma fraude. Mas se pensarmos em todas as possibilidades, uma “ajudinha” a um candidato específico poderia passar batida. Por exemplo, definir que a cada 100 votos 5 sejam contabilizados ao candidato A, e os 95 restantes seriam normalmente contabilizados. Isso daria uma vantagem de 5 pontos percentuais a um determinado candidato. Isso seria possível? Qualquer programador sabe que é! Mas mesmo que me mostrassem o código-fonte fraudado, bem na frente dos meus olhos, eu não seria capaz de identificar o erro, porque não conheço essa linguagem computacional. Como podemos, então, dizer que o processo é transparente?
Confiamos nossa democracia inteira nas mãos de um pequeno e seleto grupo de programadores do TSE! Entenderam por que outros países desenvolvidos não se sentem confortáveis em adotar a urna eletrônica?
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