No Brasil, a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. Porém, para ocorrer a retirada, é necessária autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

A legislação brasileira optou pela política pública de doação de órgãos para transplantes pautada na autorização da família. Não há no País doação de órgãos decorrente de autorização expressa ou presumida do falecido. Por isso, existindo a viabilidade técnica para a retirada de órgãos, a equipe de remoção e transplante deverá consultar a família do falecido para obter o consentimento. Ou seja, ainda que o falecido tenha deixado declaração pública assinada em cartório autorizando a doação de seus órgãos, a lei confere aos familiares a decisão final e inquestionável.

Esse modelo normativo é prejudicial à política pública de doação de órgãos no País. Segundo os dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), 46% das possíveis doações são recusadas por familiares. Em decorrência dessa elevada negação, o Brasil, conforme aponta o Ministério da Saúde, possui 66.273 pessoas na fila de espera por um órgão. Essa modelagem – concordância da família – é ultrapassada e ineficiente. Por isso, é preciso que o Congresso Nacional reexamine a matéria, para alterar a legislação em vigor.

Os deputados federais Fernando Marangoni e Mauricio Carvalho apresentaram projeto de lei n. 1774/2023, no qual sustentam que a autorização do falecido para a doação de seus órgãos deve ser presumida. Ou seja, caso o falecido não deixar declarada a sua recusa, a presunção legal seria pela efetivação da doação de seus órgãos, independente de autorização de familiares. Nessa hipótese, o Estado estaria autorizado a realizar a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano do falecido para destiná-los à realização de transplante. Essa modelagem legal pode causar conflitos com familiares, que poderão tentar resistir ao consentimento presumido dos doadores.

O Congresso Nacional precisa adotar outro critério legal. O mais adequado é estabelecer a escolha obrigatória mediante uma simples inclusão da informação na carteira de motorista. Este teria que marcar um X para apontar se quer ou não ser doador de órgãos. A expedição da primeira habilitação ou a sua renovação não seria aceita caso o motorista não marcasse uma alternativa – quer ou não ser doador.

Nesse modelo legal, depois que o motorista dá seu consentimento pela doação de seus órgãos, não é necessário o consentimento da família para que o seu desejo humanitário seja cumprido após a sua morte. Portanto, é urgente que seja reformado o modelo normativo brasileiro de doação de órgãos, para que milhares de vidas humanas que se encontram na fila de doação sejam salvas, respeitando sempre a escolha obrigatória deixada pelos falecidos.