O mundo segue acompanhando com perplexidade, surpresa e apreensão, os desdobramentos da guerra em Israel; substantivos e adjetivo, respectivamente, que nada combinam com a Atividade de Inteligência.

Apontado internacionalmente como a ação mais grave desde a criação democrática do Estado judeu em 1948, o ataque do grupo terrorista Hamas – que tomou a Faixa de Gaza em 2007 depois de vencer as eleições parlamentares locais no ano anterior –, já ultrapassa 1,2 mil mortes e um número incontável de feridos e reféns; a maioria civis.

A título de contextualização, essa ofensiva terrorista iniciada no último sábado, dia 7/10 – e que recebe apoio de outras facções extremistas –, vem recebendo o nome de “11 de setembro israelense” tamanho impacto geopolítico, econômico, religioso e social.

Isso, porque as investidas de guerra do Hamas visando a “retomada de território” se deram no transcorrer do feriado judaico de “Simchat Torah” – que celebra a união e a igualdade dos judeus –, e um dia após os 50 anos da “Guerra do Yom Kipur” entre Israel e países árabes, onde o “Yom Kipur” ou “Dia do Perdão”, é tido como a data comemorativa mais importante e sagrada do judaísmo.

Inegavelmente, toda essa ação do Hamas chocou o mundo por evidenciar uma eventual falha das Forças Armadas de Israel e, com isso, consequentemente, colocou dúvidas sobre o seu renomado Serviço de Inteligência.

Afinal, para muitos jornalistas e especialistas em segurança – que mal sabem onde fica Israel ou a Faixa de Gaza –, a “inteligência” (na verdade a  contrainteligência) israelense deveria ter detectado ou antevisto o iminente risco e, assim, alertado as autoridades de Israel.

Porém, em um universo onde não se consegue diferenciar Atividade de Inteligência, Inteligência e Contrainteligência, também não é possível afirmar que o serviço de inteligência falhou. Nem por parte dos Estados Unidos, como também de Israel, países historicamente aliados assim como, na outra ponta da mesa, estão China e Rússia mais próximas do Irã que, por sua vez, financia o Hamas e, inclusive, declarou apoio às recentíssimas manobras.

Percebe-se que quando se adentra à temática da inteligência, o cenário de análise tende a se ampliar ganhando contornos mais complexos. Nesse ponto, tem-se que por vezes a atividade de inteligência não é levada a sério pelos próprios tomadores de decisão. Decisores estes que são assessorados pelas suas inteligências, mas que infelizmente, às vezes colocam em descrédito algum eventual alerta; e a humanidade já vivenciou algumas trágicas histórias nesse sentido.

O fato é que os entraves entre Israel e Palestina são conhecidos há décadas, principalmente quando a Organização das Nações Unidas (ONU) sugeriu a criação dos Estados judeu e árabe na Palestina em 1947. No ano seguinte, Israel ganhou status de país e, a partir daí, o mundo acompanha uma sangrenta e violenta disputa por território.

Não obstante, vale considerar que os declarados inimigos Israel e Líbano travam batalhas comerciais e disputam os interesses sobre a fronteira marítima no Mar Mediterrâneo, onde está localizada uma das maiores reservas de gás e petróleo do mundo. Destaca-se que, desde 2006, há uma trégua entre os países e, desde o ano passado, fora firmado um acordo para a exploração mútua das reservas.

Todavia, no segundo dia dos ataques a Israel, o grupo libanês Hezbollah declarou apoio ao Hamas colocando armas e foguetes à disposição daquela facção extremista. Já no terceiro dia, (9/10), a cotação do barril de petróleo havia subido em quase 5% provocando repercussões globais. 

Reflexões à parte, a Faixa de Gaza por outro lado é uma região extremamente pobre, com altos índices de desemprego e que, após os conflitos entre o Hamas e Israel no ano de 2021, passou a ofertar a possibilidade de trabalho dos residentes de Gaza em Israel por meio de intermediações da ONU.

Desde então, inúmeros protestos foram realizados na região objetivando maiores concessões por parte de Israel. Eis que surge a especulação (ou informação) de que tudo não passava de uma medida do Hamas para infiltrar seus integrantes em Israel para, aos poucos, desenvolver o plano que culminou nos presentes ataques aos olhos das inteligências norte-americana e israelense. Será?

Aqui, é possível traçar um paralelo, guardando certa analogia à teoria do “Direito Penal do Inimigo” [1], desenvolvida pelo alemão Gunther Jakobs. Em síntese, trata-se de uma política criminal que visa a necessidade de separar socialmente aqueles indivíduos tidos como “inimigos” do Estado. Assim, os criminosos que violassem as leis teriam suas garantias e direitos fundamentais excluídos ou modelados ao caso concreto.

Nessa linha, o doutrinador alemão aduz que o Estado pode atuar de duas maneiras contra os criminosos: como delinquentes a serem punidos pelos atos já praticados, ou como indivíduos que apresentam um perigo iminente ao Estado e, com isso, precisam ser combatidos antecipadamente; como futuras ameaças.

E aqui, florescem dois Direitos: aquele que, como o perfume das flores, exala todas as garantias (penais e processuais) respeitadas indistintamente; e, por outro lado, o espinhoso, “Direito Penal do Inimigo”.

Inimigo este que na classificação do jurista espanhol Jesús-Maria Silva Sanchez, tem como “um indivíduo que, pelo seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua vinculação a uma organização, abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental, a ausência da mínima segurança cognitiva em sua conduta tornaria plausível que o modo de afrontá-lo fosse com o emprego de meios de asseguramento cognitivo desprovidos da natureza de penas” [2]

Nesta hora, repisa-se o primeiro parágrafo onde “perplexidade”, “surpresa” e “apreensão”, não deveriam integrar o vocabulário das inteligências. Mas e quando o “inimigo” não está do outro lado da fronteira e, sim, do outro lado da mesa?

Não aquela mesa de negociações, mas daquela em que o tomador de decisões tem importante assento e não credita às inteligências o essencial trabalho de coleta, análise e produção do conhecimento; talvez por acreditar que tais apontamentos não ocorreriam. Qual Direito Penal o alcançaria?

Enquanto persistirem certos assentos e acenos – ora obscenos –, milhares continuarão morrendo e, assim, escorrendo, “barris” de sangue aos olhos dos decisores. E os traidores? Será que a inteligência falhou? Não à toa, a expressão “11 de setembro” segue em uso.