O brasileiro e os espaços públicos – Coluna do Gabriel D’ávila
Ontem à noite, finalmente aterrissei em Porto Alegre, minha cidade natal. Faziam mais de 7 anos que não colocava os pés no território gaúcho. Confesso que, por um lado, me encontrava na expectativa e um tanto nostálgico diante da possibilidade de rever amigos e familiares queridos, assim como a possibilidade de voltar a sentir o espírito “gaudério” que até então, somente podia contemplar através da distância.
Mas tirando as questões que incumbem a minha vida pessoal, gostaria de compartilhar uma breve experiência sobre o meu primeiro contato com a cidade. Às 22h, finalmente consegui me instalar em um apartamento que havia alugado, próximo à localidade Moinhos de Vento. Após finalizar a minha instalação no local, resolvi sair às ruas. À medida que acumulava os passos, ia observando de um lado para o outro as ruas arborizadas, repletas de galhos e folhas, que pareciam preencher integralmente os espaços, como se de alguma maneira cobrissem outras características arquitetônicas da cidade. Algo digno de apreciar em uma cidade.
Foi então que minha atenção finalmente se dirigiu às casas e blocos de apartamentos, porém, a grande maioria delas, para não dizer todas, estavam repletas de cercas eletrônicas e grades pontiagudas, que denotavam proteção frente aos possíveis furtos. Para quem não está acostumado a observar diariamente esses pequenos detalhes (como no meu caso), com os quais e para os residentes já constituem um hábito e uma normalidade, tal percepção pode gerar, sem dúvidas, um notório mal-estar ao observador. E confesso que, sem ter pisado nas terras gaúchas por muito tempo, essa percepção me causou, direta ou indiretamente, uma leve sensação de repúdio e indignação.
Para completar minha caminhada no primeiro dia, me deparei com um casal aparentemente jovem que provavelmente tinha saído de seu respectivo prédio para passear com seu cachorro. O momento do encontro foi bastante incômodo, pois percebi que o casal mantinha cada vez mais distância à medida que me aproximava deles. Logo concluí imediatamente que a distância se devia ao “medo” e à “desconfiança” de um jovem como eu, às 22h, que saía às ruas apenas para matar a saudade das minhas origens (note-se aqui o jogo metafórico).
Sei que para o leitor e a leitora, as descrições colocadas acima não representam nenhuma novidade. Pois a péssima realidade que ocorre não só em Porto Alegre, mas também no resto do país, há muitos anos, acabou se tornando um hábito, uma prática diária que muitos assumiram como “normalidade”. Segundo conversas mantidas com amigos próximos e familiares, muitos afirmaram convincentemente uma frase geral do tipo “não há nada a ser feito” ou “essa realidade se tornou irreversível ao longo dos anos”. Mas, na minha sincera opinião, para quem reside fora do país há anos, não acredito que isso seja verdade. Muitas vezes, apoiar-se na “normalidade” pode justamente causar uma resistência à mudança, pois o hábito sempre evoca comodidade, independentemente do mal-estar que possa causar.
No entanto, discutir agora sobre as possíveis soluções para que o cidadão de bem possa extinguir definitivamente essa cultura do “encarceramento” requereria um texto de várias páginas. Por enquanto, meu objetivo aqui seria relembrar que, devido à banalização e ao costume que foi aceito, o brasileiro acabou se acostumando a certos modos de vida que, na minha opinião, não são favoráveis. Isso ocorre porque a realidade que foi aceita transformou os cidadãos brasileiros em arquétipos de indivíduos reclusos entre quatro paredes (para não dizer encarcerados em seus próprios domicílios), em comparação com os cidadãos europeus, com respeito à preeminência do espaço público, o brasileiro aprendeu muito bem a condecorar o seu espaço privado e individual. Por outro lado, acabou se esquecendo profundamente do real significado do espaço público, ou seja, aquilo que é de todos.”
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