O sonho dos bolsonaristas mais exaltados, de ver seu chefe ocupar a Presidência sem as amarras da democracia, não está se realizando graças a alguns fatores. E o principal deles é a circunstância singela de que o Brasil é um país em que as chefias de Estado e de Governo são ocupadas por uma pessoa eleita pelo voto popular. Parece óbvio? Nem tanto, já que, em nosso país houve duas grandes exceções a essa regra de ouro nos últimos 92 anos: as intermitentes ditaduras de Getúlio Vargas entre 1930 e 1945 e o regime militar de 1964 a 1985. No total, 36 anos fora das chamadas “quatro linhas da Constituição”, mais de um terço do total do período considerado.

Estamos agora, é verdade, há 37 anos vivendo na santa paz da democracia. Com altos e baixos, claro, como é próprio de países em que o povo é que decide quem o governa. E para manter a preciosa liberdade de decidir, foi preciso pagar o preço devido: a eterna vigilância. Manter-se livre do vício de entregar seu destino a quem não é devido, é tarefa permanente, um dia de cada vez, toda vida. E requer também uma crença bastante difícil. Aquela ensinada por Ruy Barbosa: “a pior democracia é preferível à melhor das ditaduras”. Tal paradoxo não é tão esdrúxulo como pode parecer a alguns. É só lembrar que, diferentemente do que acontece em um sistema democrático, quando a situação na tirania fica muito ruim não tem como alterar os rumos, mudar os governos, tentar uma melhora. Na ditadura a alma já foi entregue ao Capeta e ele não costuma devolvê-la. Pergunta ao Fausto se ele acha que fez um bom negócio.

No começo ele até achou que sim

O segundo maior fator que explica a razão pela qual Jair Bolsonaro não encabeçaria um regime ditatorial é que, de qualquer forma, ele não é um bom candidato para esse papel. A mais recente ocasião em que extrapolamos daquelas tais quatro linhas, e que é, portanto, o exemplo de como essas coisas poderiam acontecer no Brasil, mostrou que uma condição é essencial: ter o firme apoio e o respeito irrestrito das Forças Armadas. Já por serem armadas, por terem uma boa organização hierárquica, por atuarem em todo o território nacional, essas Forças são as únicas capazes de ocupar o poder de maneira rápida e eficiente. Isso, por suposto, se estiverem unidas no propósito e em torno de um modelo de líder. Em 1964, resolveram colocar na Presidência o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco que parecia ser o de maior prestígio entre seus companheiros de farda.

Se as mesmas Forças, porventura ou sem ela, resolvessem neste ano da graça de 2022 ocupar e entregar o comando do País a alguém que não foi eleito para tal, quem seria o escolhido? Dificilmente Bolsonaro. Salvo entre o pessoal que o considera um predestinado, um Mito, há certo consenso de que ele é, na verdade, um ser humano apenas mediano, sem brilho. O Capitão tem lá suas qualidades, como determinação, tenacidade, capacidade de entender as aspirações de parte da sociedade. Carece, porém, de outras como instrução, sabedoria, grandeza, tolerância, e capacidade para entender os sentimentos do conjunto da sociedade. A escolha de 58 anos atrás deixou claro que a régua está bem mais acima.