Mesmo sem qualquer previsibilidade legal, as chamadas candidaturas coletivas (ou compartilhadas) vêm ganhando espaço ao longo das eleições no país. Em Santa Catarina por exemplo, de forma inédita, houve o registro dessa modalidade na disputa por vagas no Legislativo estadual no pleito de outubro que se avizinha.

Na prática, o que se prega é a divisão de tarefas e a tomada conjunta de decisões durante o futuro mandato por um grupo que se reúne para concorrer a uma vaga eletiva. Com isso, a proposta aventada é que o eleitor não vote em “um candidato” – apesar de só um nome aparecer na urna –, mas em um “grupo de representantes” que, se eleitos, irão “socializar o poder” entre os componentes da chapa.

Dentre as justificativas que ratificam a opção por esse modelo de candidatura estão a despersonalização da liderança política evidenciando a corresponsabilidade por um mandato, a legitimidade e inserção em diferentes grupos sociais promovida por diferentes indivíduos “candidatos” e, também, a possibilidade de adesão a uma empreitada eleitoral por aqueles que não dispõem de maiores recursos financeiros.

Todavia, cabe sopesar que as candidaturas coletivas não encontram qualquer menção nos diplomas legais. Na verdade, esse hiato constitucional vem sendo debatido no Congresso por meio de uma proposta de emenda à Constituição, porém ainda sem expectativa de aprovação.

Por isso, em termos jurídicos, apenas uma pessoa é eleita de fato. Assim, qualquer resposta, concessão, imposição ou imputação legal pelos atos como Deputado Estadual no exercício de um mandato, por exemplo, se dará individualmente.

Aí surge a indagação: seria esse modelo, Utópico?

A resposta inicia no próprio conceito de Utopia desenvolvido pelo inglês Thomas More, em 1516, que extraiu da ideia filosófica grega, o condão de que se descreveria uma sociedade imaginária beirando o devaneio; ou no caso em tela, um modelo político “atípico”.

Outrossim, avançando no retroagir do tempo – com a devida licença poética –, o conceito de Utopia já era visto muito antes na clássica obra “A República”, de Platão (escrita por volta de 380 a.C).

No ponto, um dos maiores filósofos da Grécia antiga discutia a fórmula de se administrar uma cidade de forma harmoniosa e alheia às disputas nocivas permeadas de interesses particulares; tudo pela busca do chamado “ideal de justiça”.

Desta feita, a materialização desse “sonhar” seria dividir a cidade em três partes buscando a perfeição através da integração pacífica e harmônica entre elas.

Na visão de Platão, a primeira seria composta por cidadãos dedicados a tarefas braçais; a segunda, por àqueles que protegeriam a cidade e seriam encarregados pela administração pública; e a terceira, seria formada pelos nobres e intelectuais com 50 anos de estudos que governariam a cidade de forma justa e com plena sabedoria.

Aqui, justamente na busca pelo equilíbrio vislumbrado pelas candidaturas compartilhadas, se fecha o primeiro paralelo com a renomada obra e se abre o segundo, onde elenca-se a alegoria do “mito da caverna”.

Nessa fusão da arte com a vida e da filosofia com a política, Platão escreveu que um homem preso em uma caverna se libertou das correntes e saiu do local em busca de luz. No lado de fora, ao conhecer a liberdade, resolve retornar à caverna para resgatar os demais presos. No retorno, o homem foi taxado de louco e, por isso, morto.

Portanto, através dessa metáfora platônica pode-se inferir que, talvez, a sociedade no geral esteja indiferente às candidaturas coletivas como aprisionados dentro de uma caverna eleitoral. Ou quem sabe, apenas devaneando sobre uma idealização política juridicamente atípica. Só o tempo (e o eleitor) dirá.  

Thiago de Miranda Coutinho é Jornalista e Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina há 10 anos, graduando em Direito pela Univali, Coautor de três livros sobre Direito e Autor de diversos artigos jurídicos reconhecidos nacionalmente. Instagram: @miranda.coutinho_