O país parou com a notícia da anulação do júri da boate Kiss, na última quarta-feira (3/8) em Porto Alegre. Por dois votos a um, a venerável 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça gaúcho acolheu – entre outras teses de nulidade –, a que sustentava a desigualdade e “disparidade de armas” entre a acusação e defesa.

Destaca-se que o consagrado princípio da “paridade de armas” prevê a isonomia de tratamento entre as partes que integram o processo, quer sejam os Promotores de Justiça e os Advogados, nobres personagens que simbolizam algo muito maior neste arcabouço processual penal: o poder acusador do Estado representado pelo primeiro e o direito constitucional de defesa exercido pelo segundo.

No caso concreto, restou evidenciado que o Ministério Público se valeu de ferramentas de pesquisa a bancos de dados para analisar e, com isso, melhor escolher os jurados que integrariam posteriormente o conselho de sentença do “Tribunal das Lágrimas”; em outros termos, mais simples e objetivos, os cidadãos do povo que decidiriam o futuro daqueles acusados.

Com isso, importantes reflexões emergiram à luz do Direito. Uma delas foi no tocante à Investigação Defensiva que, nos termos do Provimento nº 188 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – que é o atual fio condutor da matéria no país desde 2018 –, diz respeito a “diligências investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais” realizados por advogados.

Notadamente, ante a percepção de que a Investigação Defensiva é um pilar da ampla defesa, da paridade de armas e um instrumento de relevo na manutenção da presunção de inocência, tem-se que esse valioso recurso carece de maior robustez legal para ser operado com mais segurança pelos causídicos.

Inclusive, percebe-se que a Investigação Defensiva guarda semelhanças à Atividade de Inteligência e, se bem explorada, equalizará as forças entre acusação e defesa, mormente em face do cenário nebuloso em que a advocacia, sobretudo a criminal, está sujeita atualmente no país.

Quanto à tragédia ocorrida em Santa Maria naquele janeiro de 2013, 242 pessoas perderam a vida, outros 600 feridos carregam cicatrizes daquela madrugada de horror e inúmeras famílias ainda sofrem com tudo que se relaciona à “Boate Kiss”; inclusive os acusados que, na verdade, só pugnam por um julgamento justo que considere suas responsabilidades efetivas.

E deste enredo de terror que parece interminável, mais uma cena se avizinha com a iminente decisão do eminente Ministro do STF, Luíz Fux. O Presidente da Corte irá julgar o recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul que, mesmo com o julgamento anulado, recorreu para que as prisões dos quatro condenados sejam restabelecidas.

Acontece que restabelecer essas prisões oriundas de um julgamento que restou anulado, é o mesmo que protagonizar a clássica cena do “Beijo da Morte”, do filme “O Poderoso Chefão” (Francis Ford Coppola, 1974), onde o mafioso Michael Corleone beija seu irmão ao descobrir que ele o traiu.

Aqui, a traição será contra o Processo Penal brasileiro, a Justiça e tudo aquilo que se estudou sobre Direito até hoje. Por isso, a expectativa é que o Exmo. Sr. Min. Fux não acate o pleito do órgão ministerial para que assim, um novo julgamento seja realizado com a total e fiel observância às leis.

Thiago de Miranda Coutinho é Jornalista e Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina há 10 anos, graduando em Direito pela Univali, Coautor de três livros sobre Direito e Autor de diversos artigos jurídicos reconhecidos nacionalmente. Instagram: @miranda.coutinho_