
Com as recentes disposições acerca das prestações de contas de candidatos e de partidos políticos para as Eleições de 2022, mormente ao financiamento coletivo, teto de gastos – devidamente fixados pela Resolução nº 23.704/2022 e publicados pela Portaria nº 647/2022, ambas do Tribunal Superior Eleitoral –, do limite de contratação direta ou terceirizada para prestação de serviço de pessoal e militância de rua e, também, do envio de notas fiscais eletrônicas afetas às despesas e doações das campanhas, tais atualizações trouxeram consigo regramentos a serem cumpridos, mas também, uma espécie de “hiato procedimental” muito sensível e que pode ensejar na prática de crimes.
Notadamente, a extenuante leitura deste primeiro parágrafo já denota um verdadeiro “mar aberto” neste “oceano” revolto que é o Processo Penal brasileiro; ambiente propício à chamada “Fishing Expedition” ou, em português, “expedição de pesca” ou “pesca probatória”.
Pontua-se que a expressão faz referência à “procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem ‘causa provável’, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém”, como apregoa a doutrina de Alexandre Morais da Rosa.
Destaca-se que, embora o termo “Fishing Expedition” tenha surgido na Inglaterra ainda na idade média, só teve franca aplicabilidade nos Estados Unidos em tempos mais recentes e, ultimamente, vem emergindo com certa frequência em “águas” brasileiras.
Em outras palavras, trata-se de uma eventual investigação criminal iniciada a partir de meras elucubrações, pois na prática da “Fishing Expedition”, não se têm indícios, elementos probantes ou sequer informações capazes de justificar (e sustentar) um procedimento investigativo.
Ademais, sabidamente uma investigação criminal só pode ocorrer a partir do fiel e intransigente respeito às garantias legais e ao Estado Democrático de Direito. Evidentemente, deve ser ancorada a elementos factíveis que venham a ensejar eventuais medidas cautelares devidamente fundamentadas em autorização judicial.
Com isso, a “Fishing Expedition” visa localizar, indiscriminadamente, algum tipo de indício “descamando” o “peixe” a ser “fisgado”. Aqui, os “anzóis”, “arpões” e “redes” podem ser chamados de interceptações telefônicas, telemáticas, quebra de algum tipo de sigilo (fiscal, bancário), relatórios de inteligência financeira e, até mesmo, de mandados de busca e apreensão.
Todo esse desvio de finalidade tem relação íntima com a tida “causa provável” que, “por sua vez, constitui-se pelo suporte fático externo e independente da subjetividade do agente público, capaz de autorizar inferência válida e robusta sobre a probabilidade de ocorrência de uma conduta criminalizada, justificadora da restrição de Direitos Fundamentais”, como apontam os doutrinadores Vivian da Silva, Philipe Benoni e Alexandre Morais da Rosa no livro “Fishing expedition e encontro fortuito na busca e na apreensão: um dilema oculto do processo penal”.
Exatamente nessa linha, caracterizando-se o aventado desvio de finalidade, o STJ anulou as provas obtidas em decorrência de vasculhamento amplo e indistinto de toda a residência, quando da entrada em domicílio para se efetuar uma prisão; relevante decisão em matéria do HC 663.055/MT (março de 2022).
Não obstante, os mesmos autores já citados atestam que “ao lado do Fishing Expedition está o ‘Encontro Fortuito’, cujos atributos não podem ser confundidos, nem justificam convolações pelo critério do resultado. É que a declaração da validade da prova oriunda de ‘encontro fortuito’, isto é, aquela cuja obtenção é diversa da finalidade inicial ou declarada da busca, subordina-se à análise da licitude das provas no Processo Penal de forma ampla.”