O cidadão que efetua disparos de arma de fogo contra um agressor desarmado, levando-o à óbito, estaria amparado pela legítima defesa?

Para responder a essa pergunta, pode-se contextualizar e refletir acerca do lamentável episódio que chocou a classe da segurança pública brasileira na última quarta-feira (18).

Em Fortaleza, durante uma abordagem policial, dois Policiais Rodoviários Federais foram executados a tiros, com a própria arma funcional de um deles, por um homem em situação de rua.

Até o momento, sabe-se que na tentativa de imobilizar o homem, este reagiu, entrou em luta corporal e tomou a pistola de um dos policiais. Na sequência, o criminoso efetuou os disparos fatais contra ambos os PRF’s.

O que aparentemente poderia ser encarada como uma abordagem de rotina, cujo risco poderia ser classificado como “baixo”, acabou por provar exatamente o contrário! Afinal, dois policiais experientes, que estavam no desempenho de suas funções, perderam as vidas pela ação de um agressor desarmado.

Aqui, cabe destacar que o ordenamento jurídico brasileiro classifica a legítima defesa como uma das excludentes de ilicitude. Ou seja, trata-se de um dispositivo legal que prevê a possibilidade de alguém cometer um ato ilícito sem que esta atitude seja considerada um crime.

Destaca-se que tal instituto está esculpido no inciso II, artigo 23, do Código Penal, versando que “não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa”.

Já a referida classificação no texto legal vem do artigo 25 do mesmo regramento penal, onde “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. 

No ponto, cabe enaltecer os requisitos basilares da legítima defesa, quer sejam a existência de uma injusta agressão, atual ou iminente, contra si ou outrem. Ainda, não se pode prescindir do uso dos meios necessários, de forma moderada, para que se afaste, cesse ou anule a referida agressão.

Aqui resta claro que a legítima defesa é uma autorização do Estado, por meio do seu legislador penal, à autodefesa da vítima! Ou seja, havendo uma conduta que pôs (ou porá) em perigo a integridade de alguém, esta vítima não só pode, como deve repelir à agressão injustificada.

Desta feita, voltando ao caso em tela, se no momento em que o homem desarmado tentasse tomar a pistola do policial – configurando a iminente injusta agressão –, fosse alvejado por disparos de arma de fogo e viesse a óbito, não restariam dúvidas que se estaria diante de um caso de legítima defesa. Também não pairariam dúvidas quanto às manchetes nos jornais noticiando a morte de um homem desarmado por dois policiais.

No entanto, não foi esse o cenário ocorrido na capital do Ceará. Talvez por receio de ter um homicídio imputado contra si, os policiais tentaram imobilizar o homem sem ter que atirar. Quem sabe, postergaram o uso legítimo das armas de fogo em detrimento da preservação da integridade física do agressor, no chamado “uso progressivo da força”. Lamentavelmente, se conhece apenas o resultado: a morte de dois policiais.

Por fim, nesta verdadeira encruzilhada da dúvida, cabe outra indagação: de que lado estaria o Estado se os policiais efetuassem disparos de arma de fogo contra o agressor desarmado, levando-o à óbito?

Restam os mais profundos sentimentos aos irmãos de armas da PRF e às famílias dos Policiais Rodoviários Federais Raimundo Bonifácio do Nascimento Filho e Márcio Hélio Almeida.  

Thiago de Miranda Coutinho é Jornalista e Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina há 10 anos, graduando em Direito pela Univali, Coautor de três livros sobre Direito e autor de diversos artigos jurídicos reconhecidos nacionalmente. Instagram: @miranda.coutinho_