A obra “Resposta à pergunta: o que é o esclarecimento?” (aufklärung), do filósofo moderno Immanuel Kant (1724 – 1804), promove intrigantes e atualíssimas abordagens acerca da baixa (ou nula) capacidade de pensar de um povo.

No texto de mais de 200 anos, o autor assevera que o termo esclarecimento é “a saída do homem de sua menoridade”; autoimposta! Com isso, tal submissão intelectual ocasionaria uma espécie de ciclo vicioso difícil de ser rompido e, com isso (e por isso), tudo se repetiria: um povo que, sob o pensamento Kantiano, não raciocina, mas obedece! Fato que, para o autor, afeta o homem nos campos político e social, abrindo espaço para chefes de Estado se tornarem uma espécie de “mártires supremos inquestionáveis”.

Nesta senda, infere-se que o conhecimento é o maior ativo do ser humano, pois dele deriva o direito (constitucional e humano) à liberdade de pensamento; e dele acabam desencadeando outras liberdades e ações que culminam em independência como na abordagem de Kant: “Quando se pergunta, portanto: vivemos atualmente numa época esclarecida? A resposta é: não, mas numa época de esclarecimento.”

No ponto, é possível aduzir que o povo busca passivamente por respostas (o chamado “esclarecimento”), e não o protagonismo de contextualizar temas, refletir acerca de situações políticas e sociais ou, ainda, assumir o papel de fazer as perguntas (ou seja, ser “esclarecido”).

E é justamente ao encontro desse pensamento Kantiano que a obra em análise inicia, pois já em seu primeiro parágrafo tem-se que: “Esclarecimento significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro.”  

Desta feita, sob os olhos de Kant, vislumbra-se o suposto interesse do Estado e da Religião (leia-se seus Chefes, Governantes e líderes religiosos) em confinar seu povo à mediocridade intelectual de modo a coagir a reflexão, repelir o debate e necrosar o pensamento crítico sob o mesmo afã: desencorajar o povo a pensar condenando-o à chamada “minoridade Kantiana”.

Assim, traçando um paralelo entre o texto de 1783 e a “contemporaneidade dos dias atuais” – cuja redundância foi ironicamente propositada para instigar o pensar –, resta perceptível a verossimilhança na realidade política e social de um país.

Afinal, quando um caricato chefe de Estado usa a religião como chancela de idoneidade política e atestado de competência, percebe-se claramente o mote trazido por Immanuel Kant: “Uma revolução poderá talvez causar a queda do despotismo pessoal ou de uma opressão cúpida e ambiciosa, mas não estará jamais na origem de uma verdadeira reforma da maneira de pensar; novos preconceitos servirão, assim como os antigos, de rédeas ao maior número, incapaz de refletir.”

Não obstante, no deslinde de uma realidade constitucional que beira a tragicomédia, quem se “insurge” a “ousar” contrapor ou criticar tal cenário, é tido como “corrupto”, “ladrão” “comunista” ou que, simplesmente, “deseja o mal do país”. Simplismo esse, ao ponto das cores da bandeira nacional serem avocadas como sinônimo de demonstração de simpatia a figuras, no mínimo, mambembes.

São tempos sombrios impostos à realidade brasileira, pois apensado a essa “subserviência político partidária”, vem o proceder de se portar “junto à massa” sem o exercício de qualquer pensamento crítico – e consequentemente escolhas –, que conduzam à própria decisão sobre em quem votar. Outrossim, o problema dessa falta de liberdade e de conhecimento reflete da vida para o direito público e o ciclo vicioso se renova (novamente provoca-se com a ironia da propositada redundância).

Logo, ao encontro das ideias de Kant, os esclarecidos (detentores do conhecimento e protagonistas das perguntas) dominam quem busca, apenas, por esclarecimentos (direcionamento através de respostas) num verdadeiro emaranhar do clichê “a vida imita a arte”.

Por fim, no caminhar da instável, insana e incrédula realidade brasileira, seria oportuno citar neste desfecho, uma espécie de “paralelismo político sintático” com “As aventuras de Alice no país das Maravilhas”:

Alice: “Você pode me ajudar?”

Gato: Sim, pois não.”

Alice: “Para onde vai essa estrada?”

Gato: “Para onde você quer ir?”

Alice: “Eu não sei, estou perdida.”

Gato: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve.”

KANT, Immanuel.  Resposta à pergunta: O que é esclarecimento? (5 de dezembro de 1783). Tradutor: Luiz Paulo Rouanet.

Alice no País das Maravilhas. São Paulo: Martin Claret, 2007. Título original em inglês: Alice’s Adventures in Wonderland (1866). CARROLL, Lewis.

Thiago de Miranda Coutinho é Jornalista e Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina há 10 anos, graduando em Direito pela Univali, Coautor de três livros sobre Direito e autor de diversos artigos jurídicos reconhecidos nacionalmente. Instagram: @miranda.coutinho_