Questão animal: quando a justiça comete injustiça
Decisão judicial sem um olhar social e humanista, por muitas vezes é como uma edificação de alicerces rachados. Ela é frágil e vai à ruína pelo simples fato de que acaba gerando injustiça e dor, muitas vezes aos mais vulneráveis.
Tenho profunda admiração pelo nosso judiciário, aliás, por muitas vezes tenho apresentado uma visão mais realista, aos mais passionais sobre o Supremo Tribunal Federal, que tem as suas falhas sim, e precisa de algumas mudanças, a exemplo do modelo de indicação, mas não é como muita gente tenta pregar, pois o STF já deu grandes contribuições a este país. O mesmo serve para outras instâncias do judiciário que tem apresentado erros e acertos.
Falando dos erros, dois casos me chamaram a atenção nos últimos meses em Santa Catarina, mais propriamente em dois municípios do Extremo-Oeste. Acontece que na falha do poder público, muitos animais ficam ao léu, abandonados e sujeitos a toda sorte de maldade de criminosos travestidos de seres humanos. Compadecidas com a situação, pessoas comuns acabam adotando e levando para suas casas que, por muitas vezes, se tornam verdadeiras ONGs.
Infelizmente, além de ter que lidar com o descaso do Poder Público, esses protetores também acabam sendo vítimas de pessoas ignorantes, que as denunciam por causa do barulho, não levando em conta que ali estão animais carentes, seres vivos como nós humanos e que merecem ter uma vida digna. A realidade, é que por muitas vezes os acolhedores acabam sendo tratados como criminosos, simplesmente por darem dignidade e amor aos animais.
Os casos que mencionei estão ocorrendo nos municípios de Romelândia e Cunha Porã. No primeiro município, a protetora corre o risco de ter que abandonar os animais que cuida, enquanto que no segundo, uma decisão judicial já determinou que a tutora tirasse os animais de casa, sem dar a mínima alternativa para resolver a questão. Acuada e ameaçada pela decisão, a pessoa teve que colocar os animais para fora de seu terreno, sendo que os coitados agora vivem na rua bem na porta da residência, esperando serem acolhidos novamente para sair do sofrimento das ruas.
Como podem ver, o judiciário neste caso deu uma sentença sem dar a mínima importância para as suas consequências. Colaborou assim, com a condição de maus tratos, de vulnerabilidade e sofrimento por que tem passado esses animais, os quais, já estariam sendo agredidos nas ruas. Onde está a justiça nesses e tantos outros casos parecidos em Santa Catarina e no país? Onde está o bom senso?
O fato é que o judiciário presta nessas situações um verdadeiro desserviço. Vai contra o bom senso, vai contra os sentimentos mais nobres que também devem reger a justiça, afinal, uma decisão judicial mexe com a vida das pessoas e dos animais. Me parece que a questão é dar a sentença e os efeitos disso não importam, afinal, “foi feita justiça”, só se for para quem julgou, pois, a verdade é outra.
Há um pouco mais de uma década, o atual presidente do Tribunal de Justiça, João Henrique Blasi, foi o relator de um agravo de instrumento em que se determinou ao município de Florianópolis, que desse abrigo a cães que eram acolhidos por um casal, mas que por decisão judicial tiveram que se desfazer deles. Para o desembargador Blasi, além da decisão judicial, “fica claro no comando constitucional que cabe solidariamente ao município a responsabilidade pela proteção da fauna”, ou seja, colocou as coisas em seu devido lugar, obrigando o município a assumir a sua responsabilidade.
O fato é que inúmeras pessoas têm adotado um grande número de animais, pela falta de políticas públicas para o cuidado com eles. Fazem o papel do poder público e, o que ganham? São tratados como criminosos e, o pior, os pobres animais são jogados à própria sorte. É uma verdadeira situação de maus tratos institucionalizado, ou seja, é o abandono sob a determinação da lei. Pelo que parece, não chegou a algumas comarcas de Santa Catarina a ciência de que os animais são considerados “seres sencientes”. Isso significa que os animais são seres vivos dotados de sentimento e sensibilidade, são detentores de direitos e não podem mais serem tratados como “coisa”, assim como eram tratados antigamente. Para quem apenas se apega a questão técnica no judiciário, é importante afirmar que é lei, pois o Senado aprovou em 2018. “Senciência pode ser definida como a capacidade dos seres de entender o que os rodeia e de experimentar diferentes sensações e sentimentos. Desse modo, todo animal é capaz de sentir dor, alegria e tristeza”, afirmam os especialistas.
Que a justiça seja feita, que essas e outras decisões sejam revistas, afinal, o que queremos é um judiciário que aplica a justiça na forma da lei, mas sem esquecer dos efeitos da mesma nos inocentes, sejam humanos ou animais.
Um bom Carnaval a todos. A coluna volta normalmente amanhã!
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