Há alguns dias o Correio Braziliense, infelizmente hoje o único jornal impresso da Capital Federal, publicou um artigo com o mesmo título desta coluna de hoje, assinado por mim e também pelo secretário de Relações Internacionais do Governo de São Paulo, Julio Serson. É uma declaração de respeito e gratidão à China, país amigo, solidário e maior parceiro comercial do Brasil. Na atual crise, ela é parte do alívio de nossas principais dores: a Covid-19 e suas consequências econômicas. Se hoje temos vacinas, insumos para as vacinas e nossas exportações apresentam superávits, devemos isso à nossa relação com os chineses. Muito obrigado — xiè xiè, China!

Porém, antes de apresentar argumentos diplomáticos e da mais pura e simples sociabilidade para ter tomado essa iniciativa, vou recorrer aos números que me foram gentilmente fornecidos pelo Observatório da Indústria da Fiesc para mostrar a você que a China impacta no nosso dia a dia, no país e em SC. Para o Brasil, esse parceiro número 1 significou, em 2020, US$ 68 bilhões em exportações; US$ 34 bilhões em importações; e um saldo de US$ 38 bilhões (cerca de R$ 212 bilhões). Para se ter uma ideia, com relação ao nosso segundo maior parceiro comercial, os Estados Unidos, nós exportamos US$ 21 bilhões; importamos US$ 24 bilhões; e tivemos um saldo de US$ 3 bilhões (cerca de R$ 17 bilhões).

De acordo com o site InfoMoney, a participação chinesa em tudo que o Brasil vende ao exterior vem crescendo, ano após ano, desde 2015. Mas essa escalada vinha acontecendo em ritmo mais lento: entre 2018 e 2019, por exemplo, essa fatia nas exportações aumentou pouco mais de 1 ponto porcentual. Com a pandemia do novo coronavírus, porém, a participação chinesa explodiu, avançando 4 pontos porcentuais: de pouco mais de um quarto para um terço das exportações, batendo em 32,3% em 2020. Segundo o InfoMoney, essa dependência comercial do Brasil com relação à China só vai crescer nos próximos anos. 

Com Santa Catarina essa relação não é diferente. No ano passado, exportamos US$ 1,7 bilhão para os chineses e importamos US$ 6 bilhões. Para os Estados Unidos, a exportação foi de US$ 1,3 bilhão e a importação de US$ 1 bilhão. Nos dois primeiros meses deste ano, a proporção se repetiu: exportamos US$ 147 milhões e importamos US$ 1,5 bilhão dos chineses; e tivemos US$ 222 milhões em exportações e US$ 206 milhões em importações dos EUA. Se restar qualquer dúvida sobre a importância da China para a nossa economia, é só perguntar para os representantes do nosso setor produtivo e eles dirão, sem titubear, que SC não teria sequer o nível de emprego e renda que tem hoje. 

Apesar dessa fundamental e imprescindível parceria, fomos espectadores de uma série de declarações desrespeitosas à China, patrocinadas por dirigentes nacionais e seus seguidores – e ficamos em dúvida sobre a capacidade deles de entender o que acontece no mundo. Não se pode ignorar que o crescimento da China e do Oriente não dependem de gostos e simpatias: é realidade econômica e política concreta e inexorável. Fruto de estratégia, inteligência e trabalho.

A diplomacia chinesa na pandemia é de uma inteligência que merece ser reconhecida. Consegue ajudar os países amigos, mesmo tendo que controlar a pandemia em seu território e vacinar uma população que é um quinto da mundial. Nesses tempos difíceis a China pode contar não apenas com o governo, mas também com sua população. Traço comum aos países orientais: não importando os matizes políticos, sempre se destacam pela organização, comportamento e disciplina.

A narrativa que se quer construir sobre um “plano chinês” para desestabilizar os demais países e dominar a economia mundial é fruto de preconceito e obscurantismo: daquilo que não se tem comprovação, não há como se tomar como fato. O que há de concreto é o comércio, as relações de investimento e a inteligência estratégica dos povos. No concerto das Nações, nós precisamos nos posicionar como um player importante e não como alguém que vê sombras e bruxas onde elas não existem: é até infantil fazer ilações de que os chineses teriam um plano de lockdown para o planeta para fazer sua própria economia crescer, quando eles vivem de exportações.

No mais, basta lembrar que há até pouco tempo os autores dessa falsa narrativa chamavam a vacina Coronavac de “vachina”, como se eles fossem nos vender um imunizante que nos transformaria em jacarés. Hoje cerca de 70% da população brasileira está sendo vacinada com Coroavac – inclusive os maliciosos autores do denigrente apelido – e não há registros de reações adversas, quanto mais de que alguém tenha se transformado num réptil. Loucuras à parte, cabe dizer que o modelo de diplomacia chinesa deve ser saudado, pois cristaliza o pensamento de que a vacina é um bem para a humanidade. Essa atitude permitiu que fôssemos pioneiros nesse modelo de cooperação, que inclui também países como a Turquia e a Indonésia – que estariam à deriva se dependessem da ajuda dos EUA e da Europa.

Por isso temos também que agradecer, e muito, à visão estratégica e diplomática do Governador João Doria, que, ainda em 2019, instalou um escritório de representação na China e estabeleceu acordos de cooperação com o laboratório Sinovac – cooperação firmada antes mesmo da pandemia, e que permite que São Paulo hoje seja o produtor da vacina que hoje atende a mais de dois terços dos brasileiros. Os adeptos das teorias da conspiração costumam acusar a China de agir em nome de seus próprios interesses. O que cabe observar é que interesses nacionais são a essência da diplomacia, e que a boa política externa busca justamente o encontro dos interesses comuns entre as nações – como acontece na essência das relações entre o Brasil e seus maiores parceiros.

A economia e a crise são muito dependentes dos rumos da política externa brasileira. Por isso é bem-vinda a mudança que agora se anuncia no Itamaraty, na orientação que tratava um parceiro estratégico como “inimigo ideológico”. Particularmente, tenho uma história de vivência e relacionamento com a China. Morei em Hong Kong aos 20 anos e segui retornando diversas vezes a esse país, ao longo de minha vida pública. Posso dar um depoimento abalizado sobre esse generoso país e seu povo.

Agradecer não só faz parte da boa educação entre as pessoas, mas também entre as nações. A isto se dá o nome de boa diplomacia. Para sair da crise em que nos encontramos, precisaremos de mais vacinas, mais suprimentos médicos, mais comércio e mais cooperação. Por isso, encerro esta coluna com um xiè xiè (obrigado), China.