Os “Direitos Fundamentais Invisíveis” e o prelúdio da insegurança pública – Coluna do Thiago de Miranda Coutinho
Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revelou que mais de 281 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil. Trata-se de um triste aumento de 38% entre 2019 e 2022 e que – assustadoramente em 10 anos –, acumula um nocivo crescimento de 211%.
Sem dúvidas, todo este cenário advém das tão conhecidas vulnerabilidades sociais potencializadas pelas incontáveis políticas públicas negligenciadas ao longo do tempo de um país que, utopicamente, talvez, ainda almeja o fiel cumprimento da Constituição Federal; mormente ao que infere alguns dos seus artigos e incisos.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária.”
E quais os reflexos deste perpassar temporal? Vários daqueles apontados e debatidos há séculos pela Sociologia, Filosofia, Psicologia, Serviço Social e Direito.
De cunho prático, não há necessidade de ser um profundo estudioso para enxergar o fim na Violência e insegurança pública! Um “fim de ciclo” que se “retroalimenta” e inicia outro.
Ciclo este que, na forma de mazelas urbanas, atinge a sociedade que se vê constrangida, vítima e refém do caos à beira da própria janela. Janela da casa e “janela da alma”, referenciando o premiado documentário brasileiro que reflete acerca daquilo que vemos (e como percebemos) por meio das nossas experiências pretéritas. Um convite à reflexão de como pode ser rasa a visão de mundo feita por meio dos olhos, somente.
Eis então, que o poder público “enxerga” como cura, somente ações reativas de enfrentamento, cujo resultado é sabido. É óbvio que não se pode prescindir da força estatal no combate ao crime. Porém, é preciso investir, também, em medidas preventivas verdadeiramente eficazes que vão da educação à saúde.
Neste espectro, o eminente ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Sr. Alexandre de Moraes, proibiu a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua, bem como qualquer tipo de recolhimento forçado de pertences.
Na decisão da última terça (25), o ministro determinou, também, que o governo federal apresente, em 120 dias, um plano de implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Tal medida liminar, proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, ainda será submetida ao Plenário da Suprema Corte.
Nesta senda, o ministro pontuou que “a violação maciça de direitos humanos, a indicar um potencial estado de coisas inconstitucional, impele o Poder Judiciário a intervir, a mediar e a promover esforços na reimaginação de uma estrutura de enfrentamento para as mazelas que, lastimavelmente, caracterizam uma determinada conjuntura, tal qual aquela que se apresenta”.
Não obstante, sua excelência avançou no sentido de que “embora seja possível, como visto, impor medidas concretas mais urgentes no intuito de garantir um mínimo de existência digna, também revela-se necessário mobilizar os demais poderes, tanto mais afeitos às especificidades das políticas públicas, na construção de uma solução robusta e duradoura”.
No transcorrer do tema, as doutoras em Serviço Social, Dalva Azevedo de Gois e Rita C. S. Oliveira, coadunam sobre os aspectos preponderantes à análise social de famílias. “Via de regra, as situações que chegam à Justiça exigem, do ponto de vista social, análise de um conjunto de fatores que não se restringe ao momento atual daquela família. A investigação da realidade social de indivíduos e famílias indica, geralmente, um nível de complexidade não abrangido na legislação e transcendente à aparência dos fatos ou das narrativas que são inicialmente dadas a conhecer.”
Por fim, as autoras asseveram que “pensar famílias em sua pluralidade de configurações ou modos de ser é um desafio contemporâneo que exige análise histórica, distância de interpretações reducionistas e enfrentamento da desconfortável posição do não saber.”
Afinal, a violência é um fenômeno deveras complexo e, sob o entendimento de que são justamente as populações mais vulneráveis socioeconomicamente àquelas potencialmente mais expostas a essa mesma violência, se faz iminente perceber tamanha realidade pelo viés constitucional da dignidade da pessoa humana, como nas linhas de Saramago: “Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara!”
Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito. Especialista em Inteligência Criminal, é coautor de 3 livros e articulista nos principais veículos jurídicos do país. Atualmente, é Agente de Polícia Civil e integrante do corpo docente da Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (Acadepol). Instagram: @miranda.coutinho_
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