Vida frenética – Coluna do Gabriel D’ávila
A rotina diária de Clara (personagem fictícia) é a rotina diária da maioria dos brasileiros trabalhadores. Acorda às 07:00 da manhã graças ao despertador do telefone. Aproveita a ocasião para checar aquelas mensagens de WhatsApp que os seus parentes e amigos próximos enviaram enquanto dormia. Se veste em 30 minutos, toma o seu café da manhã com certa tranquilidade e finalmente vai ao trabalho. Durante o trabalho, aproveita o seu momento livre para organizar a sua vida pessoal. Organiza uma escapada para o próximo fim de semana, agenda um horário para a sessão de crossfit, responde as mensagens de WhatsApp, aproveita para olhar alguns Stories do Instagram. Pronto. O tempo livre acabou, e é hora de voltar ao trabalho. Horas mais tarde, após cumprir com sua obrigação laboral, aproveitará a tarde livre para ir ao supermercado, e mais tarde, ir à sessão diária de yoga. Quem sabe, se der tempo, ir ao Shopping para ver promoções e descontos da nova temporada de verão. Ou quem sabe aproveitar para ir a ver as suas melhores amigas. O importante é manter uma vida ocupada e produtiva.
Como visto, Clara é uma personagem fictícia, mas que representa a vida de muitos brasileiros. Ela dedica grande parte do seu tempo livre em realizar múltiplas atividades que ela mesmo (e mais ninguém) impôs para si. Preenche o seu tempo livre com muitos afazeres. Clara certamente segue aquele famoso provérbio popular, que diz que “o tempo é ouro”, e com isto, pensa que “deve” aproveitar cada segundo da sua vida, pois não há nada melhor do que viver o presente. Em consonância, segue aquele outro provérbio de que uma vida ativa é uma vida produtiva.
Porém, diversos intelectuais, psicólogos, sociólogos e filósofos, alertam sobre os riscos de levar um ritmo de vida frenético e acelerado. Segundo Byung Chul-Han, filósofo sul-coreano, a liberdade humana encontra-se sob uma profunda crise, pois nunca havíamos explorado tanto a nossa liberdade com afazeres supérfluos. O ser-humano acha que se liberou das coações externas, isto é, das obrigações ditadas pelo rei, pelo senhores de terra, que nos faziam de escravos. Se acha um projeto livre. Porém, acabou submetendo-se a coações internas. Quer dizer, agora é o próprio sujeito quem explora a sua liberdade, e quem, por tanto, se explora a si mesmo. A exploração de si mesmo é uma forma de violência interna que vai em contra do próprio indivíduo. Por isso a crise não é somente da liberdade, mas também é uma crise subjetiva. Essa forma de violência interna ao indivíduo, e que é causada pela necessidade constante de ser produtivo, se reflete sobretudo no aumento exponencial de enfermidades mentais, tais como o síndrome do “Burn out”, a depressão, a baixa autoestima, entre outras. O autor afirma que nunca, na história da humanidade, tivemos tantos problemas de saúde mental como hoje em dia.
Tudo em nome da produtividade
Por quê motivo a Clara acabou obtendo um estilo de vida tão acelerado e frenético? Byung relata que os seres humanos da nossa época acabaram inserindo-se dentro de um marco neoliberal, no qual, seria praticamente uma atualização ou mutação do capitalismo moderno. A figura por excelência dentro do sistema neoliberal é a figura do empresário, quer dizer, aquele trabalhador atarefado, que não tem tempo para nada nem para ninguém. A personalidade do empresário se define como aquela pessoa que se auto-exige a si mesmo (se auto-obriga) a cumprir com as suas tarefas diárias, com a finalidade de obter o maior rendimento e produtividade possível. Pois bem, o filósofo nos revela que o ser-humano comum acabou adquirindo um papel similar a do empresário; agora já não necessitamos ser produtivos somente com respeito ao trabalho, mas sim com respeito a todos os âmbitos das nossas vidas. Inclusive com as nossas férias. Acabamos assimilando para o nosso interior a ideia de que devemos ser produtivos a todo custo. Inserimos dentro de nós a “lógica da produtividade”. Porém:
O indivíduo do presente acabou tornando-se um empresário de si mesmo, e crê que se está realizando, quando, em realidade, acaba exercendo uma forma de violência contra si mesmo.
A preguiça e o descanso: o antídoto contra a lógica da produtividade
Diante de um mundo onde tudo é produtividade, onde tudo o que fazemos deve ser produtivo e rentável, inclusive as nossas férias, onde nos vemos “inconscientemente” obrigados a visitar todos os pontos turísticos do nosso destino, sem o qual, não valeria a pena, vemos que realmente não há espaço para sequer cogitar a possibilidade de um descanso. Porque hoje em dia, e diante deste cenário hiper-produtivo, o descanso, assim como aquela atitude preguiçosa que nos advém naturalmente, é cada vez mais repudiada pelos olhos alheios. Porém, a atitude preguiçosa e o descanso aqui se manifestam como uma forma de resistência. Acaso, o quê há de tão mal em permitir-se um “fazer nada”?
Andrew Smart, um ingenheiro de Google, que em 2013 publicou “A arte e a ciência de não fazer nada”, escreveu: Se não se aplica o descanso, quer dizer, o “não fazer nada”, se sufoca a criatividade e o conhecimento de si mesmo. Nos impede de interiorizarmos e reflexionar sobre nossas vidas. O contato que estabelecemos com o nosso interior é um momento espiritual. A “lógica da produtividade” impede este contato.
Nos permitimos um descanso?
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