Estelionato envolvendo criptomoedas: “novo crime” ou “oportunismo legislativo”? – Thiago de Miranda Coutinho
Na última quarta-feira (21), foi sancionada a Lei nº 14.478/2022 que passou a ditar as regras quanto à prestação de serviços no mercado de criptomoedas, bem como regulamentar a atividade das prestadoras desses serviços envolvendo ativos virtuais.
Inicialmente, importa sublinhar que a nova Lei definiu como sendo ativos virtuais “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”, excluídas a moeda nacional e estrangeira, a eletrônica e os instrumentos de pontos e recompensas de programas de fidelidade, por exemplo.
Entretanto, é de relevo frisar que tal novidade legal promoveu uma severa alteração no Código Penal, onde criou-se outra espécie para o crime de Estelionato.
Agora, acrescido do “artigo 171-A”, a jovial redação penal passou a considerar crime a “Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, cuja conduta de “Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, ensejará em pena de “reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa”.
Todavia, cabe uma detida análise quanto à eficácia da moderna norma penal – e sua respectiva necessidade e aplicabilidade prática –, mormente ao impacto gerado no arcabouço jurídico punitivo. Afinal, nas palavras do escritor e jornalista norte-americano, Walter Lippmann: “Quando todos pensam igual, é porque ninguém está pensando”.
Nessa senda, tem-se que – primeiramente –, a citada reprimenda penal é muito superior àquela descrita no artigo 171, do chamado “Estelionato puro” ou “simples”, que já criminalizava a conduta de “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”, com pena de “reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”; plenamente cabível à temática abordada.
Por meio dessa reflexão, vale sopesar, também, que já se encontrava descrita no Código Penal a chamada “Fraude eletrônica”, muito similar à tal “novidade” recém aprovada. No caso, o próprio artigo 171, § 2º-A, já versava que “a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo”.
Nesse ponto, destaca-se que ao invés de criar um novo artigo, bastaria ao legislador incluir o hipotético e sugestivo “§2º-C” ao já consagrado art. 171, do Código Penal; elencando oportunamente à regra criminal, os “tão em voga” (e famosos) ativos virtuais ou criptomoedas.
Porém, falando em fama, o que se percebe – mais uma vez no cenário normativo penal brasileiro –, é um oportunismo legislativo com mero afã de propagar que “criou-se” um “novo tipo de crime”; aqui, mais um “estelionato”!
Thiago de Miranda Coutinho é Jornalista e Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina há mais de 10 anos, graduando em Direito pela Univali, Coautor de três livros sobre Direito e Autor de diversos artigos jurídicos reconhecidos nacionalmente. Instagram: @miranda.coutinho_
Veja mais postagens desse autor