As duas faces do Presidente Figueiredo: pacificador e malcriado (Segundo de 3 capítulos).
Uma “Frente Liberal” que mudou a História.
O Presidente João Figueiredo terminou seu mandato em 1985 e quem assumiu foi um civil. Mas o final não foi bem o que ele esperava. Deu errado em dose dupla. O candidato apoiado por ele, o Coronel da Reserva Mário Andreazza (um estupendo Ministro dos Transportes de Costa e Silva e Médici, e do Interior com o próprio Figueiredo), foi derrotado – em circunstâncias suspeitas – pelo então ex-Governador de São Paulo, Paulo Salim Maluf, na convenção do PDS, o partido que apoiava o Governo. Na sequência, Maluf, que já não tinha a simpatia de Figueiredo, foi derrotado na eleição presidencial indireta pelo candidato da moderada oposição da época, o mineiro Tancredo Neves. O partido dele, o PMDB, não tinha votos suficientes para vencer, mas, graças à dissidência de uma ala do PDS que não engolia Maluf, Tancredo foi eleito, com José Sarney de Vice.
Este grupo dissidente, a “Frente Liberal” que mudou a história do Brasil, teve entre seus principais líderes o Governador de Santa Catarina Jorge Bornhausen. E ainda, entre diversos outros, o Presidente do PDS José Sarney, o então ex-Vice-Presidente da República Aureliano Chaves e o Senador Marco Maciel.
Talvez esse desfecho fosse ainda tragável para o General Presidente. Afinal, até seu companheiro de armas e seu mentor, o também General Ernesto Geisel, simpatizava discretamente com Tancredo. Mas, outra vez pelo dedo arteiro do destino, a história se desviou do seu rumo. Tancredo adoeceu gravemente, logo adiante morreu, e quem assumiu o cargo foi o maranhense José Sarney. Aí foi dose para cavalariano.
O nome do jornal.
De passagem, uma nota sobre a ilustração mais cima. Sou um apreciador de slogans inteligentes, criativos. E um dos melhores que já vi foi o de uma campanha publicitária do JB lá nos anos 1970/1980. A propaganda usava esta frase: “Quando você pergunta qual é o melhor jornal do Brasil, você já disse o nome dele”.
Na dúvida sobre a legalidade da posse, prevaleceu o temor de novas confusões.
Da maneira rude e franca como lhe era peculiar, Figueiredo não passou a faixa presidencial ao sucessor. Tal gesto, até então, tinha acontecido apenas uma vez na história com a recusa semelhante do General Floriano Peixoto (embora não por causa do sucessor) e só aconteceria outra vez com o Capitão Jair Bolsonaro e Lula. Na época Figueiredo justificou sua atitude, afirmando que a posse de Sarney, nas circunstâncias em que ocorreu, era ilegal. E, de fato, houve muita polêmica, política e jurídica, quanto a isso. Porém, se Sarney não pudesse assumir, a alternativa era realizar novas eleições. Com medo de recomeçar essa encenação, a maioria do Congresso, que incluía um grande contingente de gatos escaldados, aprovou a tese de que o sucessor legal do Presidente morto era mesmo Sarney. E deu-lhe posse rapidamente.
Sem freio e sem cautela.
À certa altura dos meses finais do regime militar brasileiro, já no ambiente de fim de festa, um menino (imagino que de forma arranjada) perguntou ao General João Figueiredo o que ele (o Presidente) faria se, assim como seu pai (o do menino, por suposto) ganhasse um salário-mínimo por mês. A resposta é bem conhecida: “Eu dava um tiro na cuca”. Também entrou para a história política do Brasil a bizarra avaliação do Presidente sobre o eleitorado brasileiro: “um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar”. Igualmente foi parar nos anais da memória brasileira sua legendária afirmação de que “preferia o cheiro dos seus cavalos ao cheiro do povo”. Coerência não lhe faltava.
As frases e as patacoadas revelam um lado peculiar desse controverso personagem: a franqueza sem limite, sem freio. Tudo indica que era o tipo de pessoa incapaz de contar até três antes de dizer o que lhe vinha à cabeça. O trajeto entre a mente e a boca era curtíssimo. E a boca era irrefreável, soltava tudo aquilo que muita gente até ousa pensar, mas tem o cuidado de não dizer. Como demonstram as duas historietas que vou narrar no próximo capítulo, Figueiredo também não censurava seus atos, não se controlava, nem mesmo em ocasiões que as circunstâncias recomendavam muita discrição e controle.
Próximo capítulo (final): aventuras extracampo do Presidente.
Muitas vezes na vida, as mais curiosas histórias a respeito de alguma figura histórica não são aquelas que todos conhecem, mas sim, as desconhecidas. A respeito do Presidente João Figueiredo eu sei de duas delas, extraordinárias. Mantive-as zelosamente em segredo durante décadas. Agora, com ele já morto, acho que os demais protagonistas envolvidos não ficarão chateados se eu contar. Vamos lá. É disso que pretendo tratar na próxima segunda-feira.
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