A conquista do maior investimento estrangeiro, até então. (Capítulo final)
Resumo dos dois capítulos anteriores.
Quando fui Secretário do Desenvolvimento Econômico e Integração ao Mercosul (1999-2000), o órgão, além das funções designadas no seu próprio nome, administrava também a Junta Comercial, a SC-Gás, e a SANTUR. O Secretário presidia ainda o Conselho Estadual de Turismo. Minha principal tarefa, porém, era a atração, para o território catarinense, de empresas que contribuíssem de modo significativo para o desenvolvimento do Estado. Entre elas, uma gigante estava na mira: a atualmente denominada ARCELOR-Mittal, líder mundial na produção de aço que, na época, chamava-se Usinor. A preferência deles era o Sul do Brasil: São Paulo, Paraná ou Santa Catarina.
Desenvolvemos, então, um complexo processo de negociação que incluiu uma reunião com dirigentes da empresa na Embaixada do Brasil na França, e, aqui no Estado, inúmeras tratativas entre representantes designados pela Usinor e a nossa Secretaria da Fazenda, a Casan, Celesc, Eletrosul, a América Latina Logística (que administrava a linha férrea entre Paraná e São Francisco), a Administração do Porto de São Francisco, e vários outros órgãos da administração estadual. Ao final conseguimos costurar um projeto de acordo multisetorial com os franceses.
Hoje quero contar como foram as etapas finais dessa bem-sucedida jornada.
A vitória, afinal.
Algumas semanas após o encerramento daquelas reuniões, a direção da siderúrgica pediu-me que fosse marcado um encontro entre o Governador e alguns de seus principais diretores. Quando comuniquei essa solicitação, Amin, mais uma vez reiterou seu ceticismo. Mas, ainda assim, não só marcou a audiência, como também um elegante almoço na residência oficial, a Casa da Agronômica. E lá, entre conversas sobre Santa Catarina, Brasil e França, com as conhecidas brincadeiras do Governador e a gentileza da Primeira-Dama Ângela Amin, tivemos, afinal, a confirmação oficial de que havíamos sido os vitoriosos e que a empresa faria, em São Francisco, o maior investimento privado e estrangeiro da história do nosso Estado, até então.
Esperidião Amin conseguiu, numa das raras vezes em sua vida, ficar feliz por ter, de certa forma, perdido uma aposta.
A joia da coroa.
A atual Arcelor Mittal/Vega, de São Francisco do Sul, investiu, lá no início, 420 milhões de dólares. Em anos seguintes ampliou algumas vezes sua planta. E três anos atrás retomou as obras do Projeto CMC (Cold Mill Complex), com um novo investimento de 350 milhões de dólares, concluído recentemente.
O outro lado. Uma derrota previsível, mas dolorosa.
A verdade é que, assim como houve, naquele tempo, esse acontecimento tão animador, tivemos também uma derrota dolorosa: perdemos a Ford. O novo complexo industrial da montadora foi disputado por vários Estados e chegamos até à decisão final quando sobraram dois Estados: nós e a Bahia. E a Ford foi para a Bahia.
Dirigentes da empresa me confidenciaram na ocasião que até quase os noventa minutos do segundo tempo, estávamos levando alguma vantagem, especialmente porque pesava contra os concorrentes um elemento que a empresa intitulou de “custo Bahia”, que levava em conta, entre outros elementos, o número de dias trabalhados por ano. Neste quesito levávamos boa vantagem. E estávamos empatados em outro ponto importante: os benefícios fiscais do Estado. Mas, aí então, no último minuto, o poderoso cacique Antônio Carlos Magalhães, ex-Governador baiano, Senador na época, entrou em campo e desequilibrou o jogo, conseguindo, de maneira inédita no País, isenção de impostos federais. O que dizia respeito aos estaduais nós tínhamos resolvido. Mas, os federais, só mesmo ACM e a Bahia eram capazes de conseguir.
Esta perda não doeu tanto porque sabíamos que a Bahia era um concorrente muito forte e que não entregaria fácil o prêmio de receber uma montadora de automóveis e o consequente prestígio político que ele acarretava. Jogando com as peças conhecidas desse tipo de disputa, fomos longe. Mas, quando percebemos, novas peças, até então desconhecidas, apareceram sobre o tabuleiro.
As outras conquistas e seu instrumento.
Vale mencionar que, ainda no mesmo período, Santa Catarina recebeu investimentos vultosos de outras empresas de grande porte, como a italiana Marcegaglia, da Espanha, à qual o Governador Amin, concedeu atenção especial. Estivemos juntos lá em Mantova, com o empresário Antonio Marcegaglia. E a sua unidade brasileira foi inaugurada em 1999, em Garuva, fabricando produtos siderúrgicos e componentes de refrigeração.
Outra conquista foi a Terranova do Chile, voltada para o beneficiamento de madeira com equipamentos de alta tecnologia. Após algumas reuniões conosco e uma com Governador, os chilenos bateram o martelo e, sem muita demora, instalaram sua unidade em Rio Negrinho, próximo a áreas que já possuíam para reflorestamento. Quando, a convite de seus dirigentes, mais tarde, fui visitar a produção de pranchas de madeira de alta precisão que eles fabricavam, convidaram-me para conhecer a serraria. Pensei que veria gente serrando toras da maneira tradicional. Mas, o que vi, foi trabalhadores sentados em cabines que pareciam de avião, operando computadores que faziam uma espécie de ultrassonografia das toras de modo a verificar a maneira de serrá-las de modo a obter o melhor aproveitamento e qualidade do produto. E, apertando botões, faziam o corte. Grandes serras barulhentas eram coisa do passado.
Uma goleada a favor de SC, dentro de casa.
Além da prática da boa negociação, contribuiu muito nessas captações citadas, e de muitas outras daí para diante, a existência do PRODEC, o Programa de Desenvolvimento da Empresa Çatarinense, concebido e ativado naquele período. Ele foi fundamental na captura das empresas de fora e ainda na manutenção, no Estado, de empresas já nossas, como a tradicional Artex, de Blumenau, na época já adquirida pela Coteminas do empresário José de Alencar Gomes da Silva que havia sido Vice-Presidente da República, e de seu filho Josué Gomes da Silva, atual Presidente da FIESP.
Com a compra da grande fabricante de produtos de cama, mesa e banho – inicialmente pelo então Grupo Garantia e a seguir pela Coteminas – seus trabalhadores e todos os blumenauenses ficaram apreensivos com a possibilidade de que os novos donos desativassem pelo menos uma parte da fábrica do bairro Garcia, uma gigantesca planta de 300 mil metros quadrados.
Alertado, o Governador entrou em campo com muita determinação, conversamos bastante com Josué Gomes da Silva, e, afinal, já com as pedras do nosso estoque financeiro jogando a partida, tivemos a decisão dele, melhor do que a simples permanência na cidade: ele decidiu que não só manteria toda a fábrica em atividade, mas faria ainda novos aportes em equipamentos, ampliando a produção e, em consequência, aumentando o número de empregados. Uma bela vitória, particularmente feliz para os blumenauenses.
De volta para o presente: no terreno da competência, somos melhores.
Talvez, a esta altura, alguém fique em dúvida se ainda somos capazes, aqui em Santa Catarina, de reunir uma expertise coletiva como aquela da virada do século, com habilidade para enfrentar batalhas fiscais e de todo gênero. Entendo que sim, dependendo sempre de quem está liderando nosso Estado. Neste caso, não deveria ser melhor se fosse mantido o ambiente belicoso para conquista de grandes investimentos?
Não creio. Para Santa Catarina é sempre melhor um tipo de combate em que a vitória dependa de virtudes nas quais somos praticamente imbatíveis: segurança, qualidade da mão de obra, previsibilidade, localização e logística.
Próxima coluna.
Na semana que vem teremos tragédia e humor. Vou começar a contar três acontecimentos protagonizados pelo General João Baptista Figueiredo, na época Presidente do Brasil, e que têm algum vínculo com SC. Um deles é a Novembrada, que todo mundo conhece, mas que será mostrada por quem esteve presente aos acontecimentos, ao lado de seus principais personagens. Os outros dois fatos são mais divertidos e quase ninguém conhece.
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