Eleição argentina: o que vi e ouvi em Buenos Aires
IMPORTANTE: O foco da minha coluna é 99% Santa Catarina e assuntos externos que impactam em nosso estado. Mas, quando possível, publicarei alguns textos sobre assuntos que, de algum modo, eu tenha algum contato, como forma de colaborar com vocês, caros leitores! Importante: o meu trabalho é estritamente jornalístico, nunca ideológico. Quem esperar um trabalho ideológico, seja para a esquerda ou à direita, aqui não é o local certo. O meu trabalho é para quem deseja saber informações reais, sem qualquer viés. O objetivo do meu trabalho não é escrever para agradar A ou B. Escrevo para informar, apenas isso. Obrigado!
Há algumas semanas, estive em Buenos Aires. Já há alguns anos, frequento a capital portenha, que mantém sua beleza nostálgica apesar da decadência que toma conta de um país que não consegue se encontrar em si mesmo. Talvez essa seja uma boa definição para explicar o que é o país vizinho, que nem todo mundo consegue entender, por sempre ter se negado a olhar para a Argentina com a grandeza que ela tem. E isso tem uma explicação:
O meu amigo Ariel Palácios, a quem considero um dos maiores jornalistas da América Latina, me contou uma frase de dois sociólogos, o brasileiro Ronaldo Helal e o argentino Pablo Alabarces: “os argentinos odeiam amar os brasileiros, enquanto os brasileiros amam odiar os argentinos”. E é isso. Aqui no Brasil, poucos se interessavam pela Argentina; depois, passaram a misturar a nossa polarização com a política portenha, falando barbaridades sem o mínimo conhecimento histórico. Para resumir: após o início do século 20, não existe Argentina sem crise; portanto, ela não começou no atual governo e tampouco no anterior. É um país que em 1912 era a 9ª economia do mundo com maior renda por habitante, à frente da Dinamarca, Alemanha e França, por exemplo. Mas que foi se deteriorando economicamente por culpa do populismo e do período brutal da ditadura militar.
Mas voltando ao que vi e ouvi em Buenos Aires sobre a eleição, uma coisa me pareceu muito clara: os argentinos estão cansados da falta de perspectiva positiva, exaustos de uma vida instável e aterrorizados com a possibilidade de entrarem para o numeroso grupo que vive abaixo da linha da pobreza, que já representa 40% da população. Portanto, eles querem mudança. “Precisamos experimentar algo diferente para termos uma esperança”, me disse um taxista que votará em Javier Milei.
Outras pessoas com quem conversei vão pelo mesmo caminho do motorista que conversei, inclusive, quem não votou nas prévias que deram a vitória ao economista, libertário e anarcocapitalista. É a desesperança. A porta para os discursos fáceis de quem diz ter a chave para problemas complexos, o que coloca Milei com boas chances de vencer a eleição. Acreditem, isso realmente pode acontecer!
O espalhafatoso Javier Milei decidiu ser candidato no momento certo, pois encontra na decepção com o Peronismo e a falta de confiança no Macrismo um campo fértil para as suas ideias. O ultralibertário, que é a favor de pautas consideradas no Brasil como conservadoras, ao mesmo tempo em que defende o direito das pessoas do mesmo sexo de se casar – o que é rechaçado pelo bolsonarismo por aqui – quer uma Argentina fora do Mercosul, defende fechar o Banco Central e dolarizar uma economia que simplesmente não tem dólar para isso.
Para piorar a situação, Milei deseja se afastar da China, mesmo com os chineses sendo o segundo maior parceiro comercial dos argentinos e ter dado uma senhora ajuda que permitiu ao governo de Fernandez saldar parte de uma dívida adquirida junto ao FMI no governo de Maurício Macri. Sem falar do Brasil, que sempre foi um dos maiores parceiros dos portenhos e que fez mais um gesto com US$ 600 milhões para financiar exportações.
Voltando à disputa, Milei tem como principais adversários Sérgio Massa que cometeu um grande erro estratégico. Segue como ministro da Economia do frustrado governo de Alberto Fernandez, em uma disputa em que o rechaço a quem está no comando da Casa Rosada é a tônica, até mesmo dos candidatos mais frágeis. E o mais interessante é que a cada êxito de Milei nas pesquisas, mais a candidatura de Massa é castigada, pois gera insegurança no mercado e a economia argentina se deteriora ainda mais.
Lembro de quando Massa assumiu em 2022. Eu também estava em Buenos Aires e Milei era apenas um parlamentar caricato. Em meio à desconfiança, as pessoas até acreditavam que poderia haver algum sinal de mudança, o que não ocorreu. Antes não tivesse assumido, pois não deu as respostas esperadas e gerou mais rejeição ao seu nome. Mesmo assim, entre ele e Patrícia Bullrich, creio que o ministro apoiado pelos desgastados peronistas tem mais força, contra a candidata do macrismo que dependerá da vontade do eleitorado de mais idade para tentar chegar ao segundo turno.
A questão é que tudo pode acontecer na eleição de hoje, sendo que o mais provável é que tenhamos “la segunda vuelta”, ou seja, um segundo turno entre Milei e um dos dois candidatos ligados às últimas gestões do país. Será um embate entre os últimos modelos de governo e a incerteza de quem promete uma forte ruptura com consequências imprevisíveis, tanto para os Hermanos, como para os seus vizinhos do Mercosul, bloco do qual ele promete abandonar.
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