No século XVII, a Europa sofreu uma profunda transformação social, política e econômica. O antigo regime, próprio do sistema monárquico, desabava, e em seu lugar passou para o sistema capitalista. Mas sobretudo, o “indivíduo”, deixava de ser um escravo, e à medida em que avançava o tempo, se liberava cada vez mais das correntes impostas pelos donos de terra (o feudo), e com tudo, se encaminhava à condição de liberdade. 

Esta mudança radical de vida que oscila entre, por uma parte, a escravidão, e por outra, a aquisição da liberdade, supôs um verdadeiro desafio para o indivíduo. Enquanto escravos, não possuíam quaisquer outras responsabilidades salvo cumprir com uma função determinada imposta pelo seu dono, que então era responsável pelos seus escravos (servos). Porém, e com a chegada do Estado Democrático de Direito, o indivíduo passou a ganhar a liberdade, e a partir de então, se converteu em dono de si mesmo.

Mas ser dono de si mesmo (ou ser livre) implica muitas coisas. Ao ser livre, o indivíduo ganha a possibilidade de escolher aquilo que mais lhe convém. Esta condição lhe permite ir em busca dos seus desejos. Mas por outro lado, ser dono de si mesmo implica o fato de que toda a responsabilidade recaí sobre ele; já não é seu dono quem decide por ele, mas sim, ele quem deve decidir por e para si mesmo.

É curioso considerar que esta nova condição de liberdade, na qual indivíduos se tornam por primeira vez “donos de si mesmos”, responsáveis de si mesmos, comporte ao mesmo tempo a um sentimento de angustia e incerteza. Às vezes, este é o preço que pagamos para sermos livres. Mas também devemos ser conscientes de que tais responsabilidades nos ajudam a nos desenvolvermos como seres humanos autônomos e independentes.

Porém, para Erich Fromm, psicólogo social do século passado, estes sentimentos de angustia e incerteza que são próprios da condição de “ser livre” podem ser agudizados dependendo do contexto social no qual vivemos atualmente. Para trazer um exemplo, um destes fatores se deve ao incremento do isolamento social, que provoca um sentimento atenuado de solidão. Outro fator se deve ao imparável sistema econômico de produção; o indivíduo se sente um escravo de si mesmo diante daquela máquina que ele mesmo construiu, gerando um sentimento de impotência.

Muitas das condições sociais existentes no nosso atual contexto (isolamento social e posterior sentimento de solidão, más condições de trabalho e posterior sentimento de impotência, entre outros), comportam a que todos estes sentimentos se tornem, em determinadas ocasiões, insuportáveis. E para Fromm, esse sentimento insuportável muitas vezes ocasiona no ser-humano, a vontade de fugir da sua própria liberdade. Fromm chama este processo de “mecanismo de evasão”. Psicologicamente, o indivíduo não é capaz de suportar a realidade na qual vive, e a partir de então, se adere a políticas autoritárias que pretendem reduzir determinadas liberdades, para que o indivíduo volte a sentir segurança sobre si mesmo e sobre o mundo. Um fenômeno que habitualmente vemos acontecer com maior frequência em diversos países ocidentais, inclusive, no Brasil.

Mas frente ao mal-estar generalizado, as políticas autoritárias (disfarçadas de extrema direita) erram ao querer coagir as liberdades básicas e os direitos individuais, bem como o direito e a “liberdade de ser”, neste caso homossexual, para voltar a instaurar em seu lugar, aqueles valores tradicionais propagados que tanto ouvimos falar durante as eleições de 2018.

Para que o ser-humano volte a apreciar a sua liberdade, tais políticas devem lutar para fomentar a justiça social e econômica, ou bem uma “justiça distributiva” (termo inventado por John Rawls que nada tem a ver com o comunismo) que permita ao indivíduo desenvolver-se com melhores condições materiais dentro da sua liberdade. Se trata de uma solução econômico-material. Mas também deveríamos debater sobre as soluções que giram em torno à moral e aos valores atualmente vigentes nas atuais sociedades, e as crises que advém por culpa disto. Isto veremos nas próximas colunas.