A imaginação, quero dizer, o simples “ato de imaginar” exerce um papel importantíssimo na vida dos seres-humanos. Se os nossos ancestrais não imaginassem e criassem uma lança pontiaguda, que serve para a caça e a pesca, provavelmente a espécie humana já estaria extinta. Este dom de imaginar, que é próprio do ser-humano e de nenhuma outra espécie, é algo estritamente necessário para preservar a sua própria existência. Pois o mesmo não possui uma habilidade igual a do leão para atacar. Tampouco possui a habilidade para subir nos troncos das árvores como demonstram os Chimpanzés. Ou nem sequer possui a barbatana de um peixe para nadar. O ser-humano está isento de habilidades físicas, e por tanto, precisa apoiar-se na sua inteligência para sobreviver.

A inteligência humana também é importante para que os seres-humanos, insatisfeitos com aquele estado de natureza salvagem no qual habitavam inicialmente, repleto de perigos e adversidades, possam criar uma segunda natureza, ou se quiser, um “segundo mundo” no qual habitar. Foi graças à inteligência e a imaginação humana, que pudemos escapar definitivamente daquela condição salvagem da natureza. Foi no ato de “imaginar” uma série de ideias (edifícios, monumentos, semáforos, etc) que, aos poucos, fomos engendrando aquilo que chamamos civilização. Com tudo, a existência das civilizações devem-se, em grande parte, ao engenho e à capacidade única do ser-humano de imaginar inicialmente “coisas”. Não há nada mais poderoso e brilhante do que uma espécie usar a sua imaginação para trazer ao mundo algo que, de fato, ainda não existia. E não há nada mais estranho do que pensar que, durante o percurso da história, fomos habitando um mundo que, nada mais e nada menos, é fruto da nossa imaginação!

Mais além de que a espécie humana pudesse criar um “mundo externo”, lá fora, chamado civilização, graças ao seu engenho e à sua inteligência, também podemos usar a nossa própria imaginação para construir um mundo mais íntimo, pessoal e particular: um mundo interno.

Um brilhante filme titulado “O quarto de Jack”, nos explica isso. O filme conta a história (baseada em fatos reais) de uma jovem mãe e um filho ainda bebê. Ambos são inesperadamente sequestrados e, posteriormente, confinados em uma pequena e claustrofóbica habitação. As condições naquele quarto são minimalistas; possuem o necessário para sobreviver. E o pior. Permanecem ali durante largos 5 anos sem sequer ter tido uma única oportunidade de sair. Jack, desde então, se desenvolve chegando a cumprir a idade infantil.

Sem espaço suficiente para brincar, e sem muitos brinquedos com os quais se entreter, Jack surpreendentemente possuía uma enorme motivação em seu estado de espírito. Isto porque, à falta de espaço para brincar, acabava se apoiando integramente em um mundo interior, rico em fantasias. Esta condição imaginária lhe proporcionava uma enorme vantagem diante desta macabra situação; edificou o seu próprio mundo interior com a imaginação. Havia construído uma civilização dentro de si. A pesar de não percorrer quilômetros no mundo afora, percorria vastos caminhos dentro de si mesmo. O uso da imaginação o salvou daquele sentimento de “aborrecimento” e monotonia ao permanecer confinado entre 4 paredes. E por surpresa, o manteve alegre, feliz.

O ato de “imaginar” alguma coisa é, por tanto, algo único da nossa espécie. A podemos usar tanto com relação à construção de um mundo lá fora, a través da criação de objetos que ainda não existiam (como exemplo de um lápis), ou bem como uso artístico e terapêutico (edificar um mundo interior, dentro de si mesmo). Neste sentido, a imaginação está estritamente vinculada com a felicidade. Vivemos em uma civilização (construída pelo ato de imaginar) porque a partir dela a espécie humana alcançaria mais facilmente a sua felicidade. Edificamos um edifício interior porque imaginamos aquilo que desejamos. Imaginar é “projetar” aquilo que mais desejamos. Um salve à imaginação!

Mas desde um ponto de vista crítico, é óbvio de considerar que a través da imaginação sem limites, o ser-humano tenha edificado, no percurso da sua história, megalópoles (cidades, construções encima de construções) infinitas, substituindo o meio natural por quantidades inacabáveis de concreto, levando a natureza a um alarmante risco meio ambiental. Tudo deve-se também às inclinações do ser-humano, insatisfeito, em criar um “estado luxuoso” como o nosso, repleto de “engenhocas”, que somente o satisfazem por um período curto de tempo. Com o uso ilimitado da imaginação, junto às inclinações do ser-humano em se corromper a si mesmo, criam-se as sociedades de “bem-estar”, que somente se centram em proporcionar grandes quantidades de “dopamina” (prazer imediato), esquecendo assim do verdadeiro significado de felicidade. É neste sentido em que o uso ilimitado da imaginação (o mau uso) poderia levar o ser-humano a uma direção contrária à própria felicidade.