De Hobbes a Weber: a força do Racismo Estatal à luz do STF – Coluna do Thiago de Miranda Coutinho
De todo o nosso ordenamento jurídico, o racismo é um dos tipos penais mais repugnantes. Discriminar uma pessoa por conta da sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional – como apregoa o art 1° da lei n°7.716/1989 –, é provocar um mal-estar àquilo que chamamos de sociedade.
Sociedade essa que, notadamente, se vê despida da “hipocrisia que insiste em nos rodear”, como já diria a canção de Lulu Santos. Isso porque, muitos daqueles que dizem repudiar o racismo, falseiam esse “sentimento” no dia a dia com atitudes asquerosas, vergonhosas e criminosas.
Não à toa, que o enfrentamento às formas de discriminação está esculpido na Constituição Federal como um dos objetivos fundamentais do país, onde em seu artigo 3º, IV, tem-se que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Nessa linha, a tutela contra atos discriminatórios emerge na Carta Magna com o artigo 4º, II, III e VII por meio da “prevalência dos direitos humanos”, “autodeterminação dos povos” e “repúdio ao racismo”. Já o brilhante artigo 5º, XLII, da Constituição cidadã, expõe o racismo como crime inafiançável e imprescritível.
Frisa-se, no entanto, que o problema é potencializado quando o racismo advém do próprio Estado que, na conceituação do sociólogo, jurista e economista alemão, Max Weber, “é uma instituição que detém o monopólio da força e da violência mediante a legalidade para evitar que indivíduos exerçam a força e a violência”.
Logo, poderia o Estado agir motivado pelo racismo? Pelo caso que o Supremo Tribunal Federal está julgando nesta semana, supostamente sim! Inacreditavelmente, sim!
No aludido evento de apreciação do Habeas Corpus 208.240, o STF analisa a possibilidade de anulação das provas de um processo em que policiais admitiram ter abordado um homem negro por causa da cor da sua pele!
No episódio concreto, o fato de ser negro supostamente tornou uma pessoa suspeita e, por isso, suscetível de ação do Estado. É o que está sendo chamado de “perfilamento” ou “filtragem” racial. Na prática, se estaria diante da institucionalização do racismo pelo Estado, através dos seus agentes públicos.
No ponto, vale destacar que “o racismo estrutural é aquele está presente estruturação de uma sociedade. Ou seja, é o racismo camuflado geralmente presente em sociedades que construíram a sua história e cultura sobre conceitos racistas. É o caso da sociedade brasileira”.
Avançando, tem-se que o “racismo estrutural é o resultado de um processo histórico de desigualdade e desvantagens para o grupo marginalizado. No Brasil, a colonização e a escravidão criaram uma série de acontecimentos que afastaram a população negra e indígena da cidadania e do poder”.
Já no que concerne ao “racismo institucional”, é aquele que integra as medidas adotadas pelo Estado, onde “os casos de racismo institucional mais conhecidos foram implementados pelo regime nazista na Alemanha, que resultou no assassinato de milhões de judeus pelo Estado (Holocausto), e a segregação racial nos Estados Unidos e na África do Sul (Apartheid)”.
Retornando ao caso em análise, em que pese o homem ter sido preso portando 1,53 grama de cocaína – e, sublinhe-se, condenado a 7 anos e 11 meses por tráfico de drogas –, aqui não se discute a fundada suspeita em que a venerável Sexta Turma do STJ entendeu ser ilegal a busca pessoal realizada, sem mandado judicial, na ocasião em que não houver uma suspeita embasada em indícios e elementos objetivos que venham a justificar tal abordagem. O que se traz à discussão é a polícia abordar alguém por ser negro, católico ou japonês, por exemplo.
Assim, embora a Procuradoria-Geral da República tenha arguido que a busca pessoal foi motivada por “aparente atividade de mercancia da droga”, é muito provável que os eminentes Ministros do STF reconheçam a ilicitude das provas colhidas nessa abordagem originalmente racista; como assim já entendeu o relator, ministro Fachin.
Daí, portanto, cuida-se de refletir no tocante à certa reserva de similitude com os pensamentos do filósofo Thomas Hobbes, que defendia o “Contrato Social e um Governo de um soberano absoluto numa eterna luta de todos contra todos.”
Portanto, Hobbes ao afirmar que, em seu estado de natureza, “o homem é o lobo do homem” e que “o estado civil seria a solução para uma convivência pacífica, em que o ser humano abriria mão de sua liberdade para obter a paz no convívio social”, o que pensar de tal “soberano absoluto” se ele fosse racista?
Devaneios filosóficos à parte, o fato é que o julgamento no Supremo Tribunal Federal será retomado somente na próxima semana. Enquanto isso, torna-se a parafrasear Lulu Santos para que “vejamos a vida melhor no futuro” e que não seja “por cima de um muro”.