O ocorrido no dia 8 de janeiro provocou mal-estar a muitos espectadores. Enquanto milhares de pessoas invadiam sem escrúpulos os três poderes, ou três pilares que sustentam a Democracia do Brasil, destruindo milhares de peças de obras de artes, patrimônios públicos valorados em mais de R$ 5 milhões, outros milhões de brasileiros assistiam, impotentes, a esta barbárie que marcará para sempre a história do Brasil.

Há um mês atrás publiquei a minha primeira coluna, cujo título era “A história humana pode regredir?”. O objetivo era reflexionar sobre esta ideia, e com tudo, refletir sobre a hipótese de que a história pudesse voltar a repetir-se. Em 1964 tivemos o Golpe militar. Posteriormente pensávamos que este processo nunca mais voltaria a se reproduzir no nosso contexto social, porque intuíamos que a história sempre avança positivamente a melhores horizontes políticos. Porém, estávamos enganados. Por um triz a história não voltou a repetir-se. E o mais triste de tudo, deve-se a que a tentativa de golpe estivesse protagonizado pelos próprios cidadãos. Sinal de que a Democracia brasileira se encontra em seu estado mais frágil. Sinal de que nos situamos diante de uma crise de valores.

Falando em protagonistas, dos quais viram-se motivados em invadir os três poderes situados em Brasília, os mesmos invasores possuíam a esperança inextricável de que Deus (entidade divina) e o exército (entidade terrenal) lhes auxiliassem a “salvar o Brasil” diante do domínio da bandeira vermelha, cor normalmente associada ao comunismo, ao mau, às trevas.  Porém, e para como, nenhuma das entidades cosmológicas acabaram erguendo-lhes a mão durante este processo. E as consequências disto foram nefastas para os protagonistas. Vários deles acabaram respondendo a ordens de prisão, junto a processos penais que lhes prejudicarão a vida, talvez, para sempre.

O interessante é poder entender as motivações que houveram por detrás do assalto ao capitólio brasileiro. É intuitivo se considerar que os cidadãos que lá estavam, acabassem atuando “irracionalmente” em contra da sua própria pessoa. E de que os mesmos estivessem influídos, durante tão poucos anos, por diversas ideologias que em conjunto lhes conduziria a atuar irresponsavelmente, cometendo ao fim crimes graves e inconstitucionais. Uma destas ideologias tem a ver com a frase política e propagandista “Deus acima de tudo”. Um país tão religioso como o Brasil (fato que considero uma característica maravilhosa do nosso país) jamais poderia misturar preceitos religiosos dentro da política. Isto conduziria os cidadãos partidários de Bolsonaro a pensar que existiria uma única Verdade (em maiúsculas); a verdade de que a política brasileira possui somente um caminho: o caminho da salvação protagonizada pelo enviado de Deus: Jair Messias Bolsonaro. E de que todas as demais políticas e ideologias contrárias pertenceriam a âmbitos que não fazem parte do reino de Deus. Por isso a necessidade de que cada instituição, a religiosa e a política, se mantenham em linhas separadas.

Mas são diversas as motivações e ideologias que conduziram os cidadãos a agir irracionalmente no dia 8 de janeiro. Poderíamos expor um largo escrito que preencheria centenas de páginas. Mas há uma delas que me parece importantíssima de ressaltar. E a pergunta de ouro viria a ser: os cidadãos ali presentes no ato, realmente lutavam para salvar a liberdade do país, ou contrariamente e sem se dar conta, lutavam para evadir-se (escapar) dessa mesma liberdade?

A resposta, parece ser clara. Nos atos do dia 8 de janeiro, vimos manifestantes, vários deles, erguer aos céus cartazes do tipo “intervenção militar já! ”. Quisera dizer que os próprios cidadãos ali presentes estavam dispostos a negar a sua própria liberdade para submeter-se a um regime militar (e por tanto autoritário)?

Deixo a pergunta em aberta para a reflexão, e aproveito para recomendar dois livros que nos ajudariam a reflexionar sobre esta atitude. O primeiro deles titula-se “O medo à liberdade”, escrito por Erich Fromm em 1936. O segundo chama-se “A servidão voluntária”, escrito por Étienne de la Boétie em 1576. Ambos tratam de averiguar os motivos (psicológicos e filosóficos), pelos quais o ser-humano, em determinadas circunstâncias, nega ser livre.