Não vou falar da eleição de governador porque já cantei a pedra logo que acabou o primeiro turno. A vitória de Jorginho era jogo jogado. Sem chance de alteração. Já a escolha de Lula para um terceiro mandato presidencial merece algumas considerações.

A primeira, claro, é sobre as razões por que este ganhou e aquele perdeu. E nesse pantanoso tema sobressaiu a confirmação de um fato bastante óbvio: grande parte dos eleitores votaram muito mais para manifestarem sua ojeriza ao outro candidato do que a favor do seu escolhido. Contados os votos, verificou-se que metade da população brasileira tem forte resistência a Bolsonaro e a outra metade não suporta Lula. Em consequência aquele que venceu ali no pau da goiabeira vai governar um país fraturado. Um Brasil difícil de governar.

Segunda consideração: que o eleito tenha juízo e trate de cumprir o que prometeu (será que consegue?): que sua administração seria maior que o PT, o que significa incorporar a ela, o bloco dos não-petistas recém-convertidos ao lulismo, como o próprio Alckmin, Simone Tebet, Henrique Meirelles e que tais. Sem isso, e com um Congresso nada simpático a ele, e que não poderá mais ser comprado como nos velhos tempos, Lula terá dificuldades talvez instransponíveis.

Terceira parte da análise: muito mais que uma vitória de Lula aconteceu uma derrota de Bolsonaro. Derrota individual, dele, pessoa física, não dos temas mais respeitáveis que defendeu, como os que tratam de valores da família. Estes, segundo os números gerais da eleição, foram vitoriosos. A maior parte dos congressistas eleitos e dos governadores atesta que uma parte considerável do “bolsonarismo” das ideias, teve sucesso nas urnas. E o Capitão, porém, ainda que por margem bem estreita, perdeu. E assim foi porque ele não se ateve às pautas que garantiram sua primeira eleição. Ele avançou em algumas crenças bem suas, bem pessoais e bem impopulares como a briga contra a natureza, contra as vacinas (que está prejudicando muito os programas de vacinação, inclusive contra a poliomielite), e como suas desavenças com alguns setores contra quem a sabedoria popular ensina que jamais se deve brigar: juízes, imprensa, mulheres e padres. A intolerância com a crítica, com opiniões divergentes, é pecado-mortal em candidatos a cargos majoritários. Quem não consegue conviver com essas circunstâncias próprias de uma sociedade democrática, nunca chega a ser um estadista. E quem não chega aí, não se reelege ao cargo de Presidente.

Além desses seus particulares desvios de conduta, convenhamos, Bolsonaro teve, na corrida lomba abaixo, uma aguerrida contribuição de vários de seus companheiros mais chegados. Poucas vezes na história se viu um esforço tão grande para conseguir uma derrota praticamente impossível de acontecer. 

O fato é que a eleição em que um dos candidatos já está no cargo, vira plebiscito: contra ou a favor do governo. Quem já lá está, com uma vitória presidencial na bagagem, com a faixa no peito e a caneta e a chave do cofre nas mãos, só perde se quiser. Ainda mais com seus principais desafetos, o PT e Lula, politicamente mortos e enterrados. E Bolsonaro enfrentou um adversário sem programa definido, vacilando nos debates, incapaz de responder qualquer indagação sobre a notória desonestidade vigente nos seus dois governos. Aparentemente Bolsonaro quis perder. Tantas fez, que conseguiu. Jogou fora uma extraordinária oportunidade de seguir adiante porque lhe faltou grandeza.

Há algum consolo para os eleitores que deixaram de vencer a batalha por tão diferença tão pequena? Acho que sim. De olho no fato de que quatro anos passam rápido e então já teremos uma nova eleição, dá para comemorar a circunstância de que o time, digamos, do lado mais à direita, saiu desta eleição com possíveis candidatos aparentemente mais fortes para enfrentar o PT. São potenciais candidatos que defendem as ideias que foram vitoriosas na eleição de deputados, senadores e governadores, e que, diferentemente de Bolsonaro, têm atitudes mais civilizadas, pensam antes de falar, e não navegam, sem rumo e sem freios, nas águas revoltas da bobagem e da insensatez. O Capitão vai continuar sendo um líder importante porque sua hoste de fiéis seguidores não o abandonará. Na eleição de 2026 poderá se eleger senador com votação consagradora em qualquer um dos diversos Estados em que teve as maiores votações. Mas, não creio que possa ser cogitado outra vez como candidato à Presidência. Haverá gente melhor para enfrentar o PT.