Quando determinado crime provoca relevante comoção social, sobretudo com a ampla divulgação midiática, é comum esperar do legislador penal uma espécie de resposta às necessidades populares por uma maior reprimenda estatal.

Seguindo essa linha, na última terça-feira (24), foi sancionada a Lei n°14.344/22 que, agora, ostenta no homicídio praticado contra menor de 14 anos, o status de crime hediondo. Destaca-se, também, que tal inovação normativa decorreu em alusão à repugnante morte por espancamento do menino Henry Borel de apenas 4 anos, no Rio de Janeiro, no ano passado.

Cabe pontuar que, no Direito Penal, um crime é chamado de hediondo (Lei n°8.072/90) quando sua natureza provoca verdadeira repulsa social. Assim, nesse rol, há exemplos como a tortura, o tráfico de drogas, o terrorismo, o próprio homicídio qualificado, o latrocínio, a extorsão mediante sequestro, o estupro e até o roubo qualificado.

Com isso, acarretam às normas penais e processuais, inúmeras modificações relevantes – mormente mais severas –, que merecem destacada apreciação jurídica.

Notadamente, tem-se que o crime hediondo é inafiançável – o que significa dizer que o acusado deve ser mantido preso no decorrer do processo, não sendo admissível o pagamento de fiança –, e não passível de graça, indulto ou anistia. Ademais, uma vez condenado, o regime inicial de cumprimento de pena será, automaticamente, o fechado.

Além disso, ante à nova qualificadora penal pela hediondez, a pena para o crime de homicídio contra menor de 14 anos é de reclusão de 12 a 30 anos, aumentada de um terço à metade se a vítima for pessoa com deficiência ou com alguma doença que aumente sua vulnerabilidade.

Já se o autor do crime for ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, ou até mesmo empregador da vítima (ou se tiver autoridade sobre ela), tal aumento será de até dois terços.

No que tange à prescrição – que é o direito do Estado de punir alguém que cometa algum delito –, quando se falar de crimes de violência contra criança e adolescente, o computo desse prazo iniciará no momento em que a vítima completar 18 anos; como nos fatos envolvendo a dignidade sexual.

Partindo para a seara da violência doméstica, aos moldes da Lei Maria da Penha (Lei n°11.340/06), os crimes cometidos contra crianças e adolescentes não poderão ser abarcados pelos juizados especiais, independentemente da pena prevista. Ademais, havendo riscos iminentes à vida ou à integridade física da vítima, o agressor poderá ser afastado imediatamente da sua casa, proibido de se aproximar da vítima e de seus familiares ou de frequentar determinados locais.

Não obstante, a inovação legal aqui abarcada traz consigo, em seu artigo 26, a pena de seis meses a três anos de detenção para quem não informar às autoridades, qualquer tipo de violência, tratamento cruel ou degradante e, inclusive, formas violentas de “educação, correção ou disciplina”, contra criança ou adolescente. Reprimenda essa que será majorada se tal omissão partir de parentes ou, ainda, se resultar na morte da vítima.

Por fim, fica o convite à reflexão sobre a sociedade em que experimentamos viver atualmente, cujas indagações saltam aos olhos perplexos que não gostariam de enxergar, às bocas emudecidas pela ineficiência do pedido de socorro e aos ouvidos que desejariam ensurdecer-se diante do sofrimento protagonizado neste cenário que não se desejaria conhecer. Afinal, qual o caminho certo a seguir? Como estão e estarão as famílias? Talvez nas palavras de Gandhi, a resposta: “O amor é a força mais sutil do mundo”.

Thiago de Miranda Coutinho é Jornalista e Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina há mais de 10 anos, graduando em Direito (Univali), coautor de três livros sobre Direito e autor de diversos artigos jurídicos reconhecidos nacionalmente. Instagram: @miranda.coutinho_