O chá de quartel e os destilados – Coluna do Paulo Gouvêa
Coisas muito estranhas estão acontecendo na política brasileira. Uma delas é a aquisição pelas Forças Armadas do Brasil de 35 mil comprimidos de Viagra. O produto atenderá a Marinha, o Exército e a Aeronáutica. Uma nota oficial desta última cuidou de justificar que o medicamento é usado também para hipertensão arterial pulmonar e em pacientes com esclerose sistêmica. E frisou que o uso para tratamento de disfunção erétil “não se encontra priorizado nesse tipo de aquisição”. É bom saber.
Relatos antigos dão conta de que nos quarteis era costume fazer os soldados ingerir um tal “chá broxante”, conhecido também como “chá de quartel”. Não sei se isso é fato ou é lenda, mas, parece fazer sentido que os comandantes cuidassem de manter uma certa calma nos alojamentos. Hoje, ao que parece, não existe mais essa preocupação. Doses de Viagra acompanhadas de uma nota oficial em que, a propósito de tratar de urnas eletrônicas, se anuncia que as “forças armadas estão de prontidão para cumprir seu papel constitucional”, soam um tanto fervilhantes.
Mas, no setor de fatos extravagantes, não é só isso. Dá para imaginar Jair Bolsonaro e Lula da Silva irmanados numa mesma crença, numa mesma percepção dos acontecimentos? Pois veja só: os dois estão bem juntinhos na avaliação dos acontecimentos da Ucrânia. O ex-presidente entende que a Rússia não tem tanta culpa assim na invasão do país vizinho porque, segundo declarou à revista americana Time, a Ucrânia queria a guerra, queria ser invadida. É oportuno lembrar que Leonel Brizola, lá atrás, em 1998, quando foi candidato a vice-presidente com o então Luiz Inácio, já alertava seu companheiro de chapa que a ingestão de destilados podia fazer mal para a cabeça. E o atual presidente, por sua vez, disse que o problema da Ucrânia acontece porque os ucranianos elegeram como seu Chefe de Estado um comediante. Em consequência conforme tal manifestação, a Rússia tinha mesmo que invadir o país liderado por um ator.
Voltando à vaca fria, o fato é que ambos nutrem uma incontida admiração por Vladimir Putin. De certa forma o russo é o que eles gostariam de ser: um presidente com direito a reeleições ilimitadas, que manda prender seus principais adversários, cala a imprensa que não gosta dele e tem poder suficiente para garantir que a conquista de novos mandatos seja sempre bem-sucedida.
Não é, todavia, só na política internacional que os dois hoje principais candidatos a presidente combinam. Além da mal disfarçada simpatia pelo chefão russo, eles têm mais duas sólidas afinidades. Uma delas é a antipatia pela liberdade de imprensa. Lula tentou pelo menos um par de vezes aprovar aquilo que seu partido disfarçadamente chama de “controle social da imprensa”: a censura aos órgãos de comunicação através da mão dos “comissários do povo”. Bolsonaro xinga reiteradamente uma emissora de TV, três jornais, uma revista, e jornalistas em geral. E não perde oportunidade de demonstrar como lhe agradaria uma imprensa dócil e submissa.
Muito bem, então não há como votar no Lula, de jeito maneira, porque, além dessas qualificações, ele carrega, no currículo, os dois maiores escândalos de corrupção da história universal. E está difícil de passar pela goela um voto no brucutu que nos preside. E aí, o que mais existe? Resposta: somente o fato de que a eleição se dará em dois turnos. E se todos os brasileiros que não gostam nem de um e nem do outro resolverem votar em terceiro nome, pode ser que ele tome o lugar de qualquer daqueles dois no segundo turno. Sei muito bem que isso é difícil. Mas, não é impossível. Para acontecer, precisa que o terceiro, o quarto, o quinto e o sexto parem com os blefes, esqueçam as vaidades pessoais, e pensem no Brasil.
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