E se Lombroso trabalhasse na Zara? – Coluna do Thiago de Miranda Coutinho
O episódio envolvendo uma mulher negra (delegada de polícia civil) e a loja de roupas Zara acendeu uma polêmica de grandes proporções: teria a empresa um “código de conduta” que orientaria os funcionários a suspeitar de determinados “perfis” de pessoas que adentram no local? A consumidora teria sido expulsa por causa da cor da pele? Houve o crime de racismo? E o que Lombroso tem a ver com isso?
Para responder tais perguntas, primeiramente se faz necessário contextualizar que Cesare Lombroso (1835 – 1909) foi um médico psiquiatra, criminologista e antropólogo italiano creditado como sendo o criador da antropologia criminal.
Inclusive, uma das obras mais famosas de Lombroso analisa as possíveis motivações das práticas criminosas estarem relacionadas à “essência do criminoso”, cuja abordagem científica se dá – empiricamente –, acerca de traços físicos e mentais de indivíduos presos. Com isso, Lombroso conclui que tais características estigmatizadas poderiam ensejar em uma suposta “potencialidade criminosa”.
Quanto ao caso concreto ocorrido em Fortaleza, inicialmente deve-se considerar que inúmeros comércios possuem sistemas de segurança – inclusive com técnicos observando as câmeras de videomonitoramento em tempo real –, para acompanhar suspeitos e evitar crimes. Notadamente, se não há registro de flagrante, os critérios adotados para determinar se alguém é ou não suspeito passa, necessariamente, pelos apontamentos de Lombroso; ainda que os seguranças desconheçam tal estudo.
Lamentavelmente, isso apenas reflete juízos de uma sociedade guiada pela aparência; atenta a produtos símbolos de status; atrelada a valores (morais) questionáveis e, inclusive, muitas vezes, eivada de preconceitos. Contudo, somente a persecução penal (conjunto composto pela investigação criminal e o processo penal) irá traduzir em justiça a realidade dos fatos.
No caso em tela, a investigação resultou no indiciamento do gerente por Racismo! Não obstante, sublinha-se que entidades ligadas ao movimento negro moveram uma ação pleiteando indenização, por dano moral coletivo, no importe de R$40 milhões contra a Zara. Eis que, aqui, cabe discutir a tênue caracterização que distinguia, à época dos fatos, a injúria racial do racismo e – muito embora caiba sopesar que a recentíssima decisão (28/10) do STF tenha equiparado a injúria racial ao racismo considerando-a imprescritível –, não se pode descartar a observância do princípio da anterioridade da lei penal (que não alcança fatos praticados antes da sua vigência).
Quanto às distinções legais, a primeira (injúria racial) versa sobre uma ofensa à dignidade ou decoro de alguém utilizando, para isso, elementos de cor ou raça mormente à associação de palavras depreciativas no afã de agredir a honra da vítima.
“Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena – reclusão de um a três anos e multa.”
Já o crime de racismo é muito mais gravoso e ultrajante, pois ataca de forma discriminatória um grupo ou coletividade; além disso, de acordo com a Constituição Federal, trata-se de um crime inafiançável e imprescritível.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”
Neste diapasão, tem-se que uma das condutas em que o racismo se encaixa (conforme previsão na Lei Nº 7.716/89) é, justamente, a de impedir o acesso de alguém a estabelecimentos comerciais por preconceito de cor.
“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.”
Segundo a delegada, ela teria sido expulsa ante uma postura discriminatória da Zara e, conforme apontamentos das investigações realizadas pela Polícia, a empresa usaria o código sonoro “Zara zerou” para – supostamente –, indicar aos funcionários que haveria pessoas “suspeitas” no recinto. Tal versão foi refutada pela Zara que alegou que a referida cliente adentrou à loja sem máscara, pois consumia um sorvete. Por essa razão, ela teria sido orientada – por razões sanitárias de prevenção à Covid-19 –, que não poderia permanecer no estabelecimento.
Assim, despidos de inclinações morais, sociais ou qualquer intenção de “justiçamento” – e, principalmente, em face da complexidade envolta nesse delicado acontecimento, cuja repercussão ganhou o Brasil –, caberá uma serena, justa e perfeita avaliação do que de fato ocorreu; afinal, o racismo é repugnante e merece ser combatido com todas as forças legais!
Outrossim, cabe a singular reflexão do por quê a delegada não ter dado voz de prisão em flagrante ao seu (suposto) algoz ou, talvez, ter requerido apoio policial para tal atribuição legal do seu cargo, como apregoa o art. 301 do Código de Processo Penal.
“Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
Por fim, sabe-se que as referidas imagens da abordagem feita à delegada já circulam no Youtube e o questionamento que fica é: e se Lombroso trabalhasse na Zara?
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