SC: exceção que não pode virar regra – Coluna do Vinicius Lummertz
Santa Catarina historicamente é um Estado que nunca teve a devida retribuição da União a toda imprescindível contribuição que deu ao desenvolvimento nacional. Praticamente, “nos criamos sozinhos”, construímos o que chamo de economia autóctone, ou seja, formulada e desenvolvida aqui mesmo sob os auspícios da inteligência, da força de trabalho e persistência dos catarinenses. Hoje somos um Estado diferenciado, referência no país e no mundo. Se por um lado isso é altamente meritório, por outro temos que reconhecer que, a não ser por raros períodos, nunca conseguimos ter e exercer uma força política em Brasília que nos proporcionasse as mesmas condições de outros estados brasileiros – e escrevo isso sem qualquer caráter discriminatório. É a mais pura realidade.
Faço este raciocínio para poder analisar a derrubada, pela Assembleia Legislativa, do veto da então governadora Daniela Reinehr ao aporte de R$ 350 milhões do Estado em rodovias federais. Assim, a administração Carlos Moisés poderá colocar R$ 200 milhões na duplicação da BR-470, R$ 100 milhões na BR-163 e R$ 50 milhões na BR-280 ainda em 2021. Trocando em miúdos: em vez de receber os devidos recursos da União para nossas rodovias federais, nós vamos tirar esse dinheiro dos cofres do Estado para cumprir o papel do Governo Federal.
Já de antemão, antes que seja crucificado, quero dizer que não sou contra essa iniciativa. Ao conversar com nossas lideranças empresariais e políticas, prefeitos e vereadores, compreendi que esta é, infelizmente, a única maneira de dar andamento a obras que, se não forem continuadas, podem condenar o Estado a uma paralisia de transportes e logística. Mas me vejo, como catarinense, na obrigação de fazer um alerta: esta é a primeira vez – e que seja a última – que temos que sacar do próprio bolso para dar conta da obrigação constitucional que é do Governo Federal. Vou mais longe: é uma enorme injustiça para com SC e vou explicar porquê.
Os números que apresentarei a seguir me foram cedidos muito gentilmente pela Gerência de Transportes e Logística da Fiesc, à qual agradeço. É injusto, em primeiro lugar, porque tivemos o maior corte no orçamento deste ano para estradas federais. Vamos aos números: BR-470, entre Navegantes e Rio do Sul, corte de 50% (de R$ 111 para R$ 56 milhões); BR-280, entre São Francisco do Sul e Jaraguá do Sul, corte de 42% (de R$ 104 para R$ 60 milhões); BR-285, entre Timbé do Sul e Divisa SC/RS, corte de 100% (R$ 20 milhões, sendo que faltam menos de 2kms para a conclusão); BR-163, entre São Miguel do Oeste e a Divisa SC/PR, corte de 47% (de R$ 28 para R$ 15 milhões); BR-163/PR/SC, entre Guaíra (PR) e Itapiranga, corte de 100% (R$ 3 milhões); e a única que não teve corte foi a BR-282, entre Florianópolis e São Miguel do Oeste, que ficou com R$ 3 milhões.
Em segundo lugar, é injusto porque SC é o Estado brasileiro que tem menos retorno em recursos federais com relação ao que arrecada para a União – só fica abaixo do Rio de Janeiro (que tem os royalties do petróleo) e de São Paulo. Em 2020, essa injustiça chegou a ser absurda: arrecadamos R$ 69,7 bilhões para o Governo Federal, mas só recebemos dele R$ 7,4 bilhões. Para se ter uma ideia, a Bahia, que ocupa o 8º lugar no ranking dos maiores PIBs do Brasil (SC é o 6º), arrecada menos da metade (R$ 33 bilhões) do que Santa Catarina, mas recebe 60% a mais do que recebemos.
Esse desequilíbrio e essa injustiça para com SC são insustentáveis e também injustificáveis. Quem definiu muito bem isso foi o jornalista Pedro Machado, da NSC Blumenau, afirmando que “no jogo de empurra-empurra de atribuições tão habitual na esfera pública, a posição [de ceder recursos estaduais ao Governo Federal] é no mínimo incomum. Com verbas para a infraestrutura de rodovias federais diluídas pelo orçamento da União, o Estado abre um precedente ao se dispor a abraçar uma responsabilidade que no papel não é sua. Assume o risco de ser taxado como autossuficiente por Brasília, o que poderia acabar pesando contra reivindicações futuras”.
Assim como afirmei acima, o jornalista diz que “não faltam motivos para justificar a decisão. Santa Catarina tem pressa para tornar estradas mais seguras para motoristas e eliminar gargalos logísticos que encarecem e reduzem a velocidade do desenvolvimento econômico. Há também cansaço, provocado pela espera e pela desilusão de promessas não cumpridas de vários governos da história recente – da esquerda à direita”.
E Pedro Machado conclui com um raciocínio indiscutível: “Política à parte, o movimento protagonizado pelo Estado agora volta a colocar o atual modelo de pacto federativo em xeque. E pode servir de exemplo para sustentar uma revisão de atribuições de cada ente e a redistribuição da arrecadação de impostos. Mais próximos da população, municípios e estados sabem melhor onde o calo aperta. A premissa pode ser romântica, mas parece soar mais racional que eles tenham mais autonomia e capacidade financeira para resolverem seus problemas”.
Acompanho a luta – e seria injusto não registrar – dos senadores Esperidião Amin e Dário Berger (agora presidente da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado), do deputado federal Carlos Chiodini (eleito presidente da Comissão de Viação e Transportes da Câmara), e de outros integrantes do Fórum Parlamentar Catarinense, assim como da Federação das Indústrias e das demais entidades que compõem o Cofem (Conselho de Federações Empresariais de SC), mas infelizmente temos sofrido revés sobre revés.
Discriminar Santa Catarina não é algo que se possa atribuir ao atual Governo Federal – é uma sina que vem de décadas. Porém, deste Governo, em especial – que recebeu aqui uma das maiores votações proporcionais do país em 2018 – esperava-se uma retribuição à altura. Viagens de férias e visitas do presidente e ministros sem nada a oferecer, mais nos frustram do que nos lisonjeiam. Afinal, estamos pagando a conta em dobro.
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