Na semana passada, Santa Catarina e o Brasil sofreram duas perdas que, neste momento histórico de crise institucional, de valores morais e éticos, de governabilidade e também de credibilidade da classe política, são irreparáveis. Para mim, particularmente, representa a perda de duas referências, de duas pessoas com as quais convivi e aprendi a admirar principalmente por suas virtudes pessoais, porque fizeram dessas virtudes o instrumento para dar cabo da missão de governar para fazer o bem, com amor e respeito indistinto a todos, de todas as camadas sociais, religião, ideologia, cor partidária, maiorias ou minorias. O ex-governador e ex-senador Casildo Maldaner e o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, eram dois homens sem preconceitos, que só não admitiam a truculência, a ofensa, a mentira e a desonestidade, infelizmente hoje tão em voga no nosso país.  

Ao escrever sobre Casildo e Bruno, logo após suas mortes, descobri que usei quase as mesmas palavras e adjetivos ao manifestar meu pesar a familiares, amigos e correligionários. E vi essa mesma semelhança nas manifestações de pesar de centenas de outras pessoas, tanto para um, como para outro.

Sobre Casildo, escrevi que era um parceiro de lutas e vitórias por Santa Catarina; e que perdê-lo significa perder uma referência, perder um líder, um conselheiro e um amigo, daqueles para se guardar do lado esquerdo do peito. Casildo foi sempre a conciliação e o bem, e esta é a maior herança que deixa a todos nós. Foi essa minha mensagem pessoal à família e à esposa Ivone, aos filhos Josaine, Jandrey e Janiara, os cinco netos e amigos que tiveram a oportunidade de conhecer esse ser humano ímpar.

Para os jornalistas que me procuraram para um depoimento a respeito de Casildo Maldaner, recordei emocionado o seu papel fundamental para a formação das estruturas sociais e econômicas que fazem de Santa Catarina uma referência nacional e internacional. Afirmei que a pequena e microempresa de nosso Estado devem muito a Casildo. O último cheque que ele assinou como governador em 1991, quando eu era diretor do Centro de Assistência Gerencial (Ceag/SC), foi o que garantiu o suporte para esse órgão pudesse se manter e fazer a transição para se filiar ao Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, o Sebrae nacional. 

Lembrei ainda que fui assessor internacional “voluntário” do ex-governador durante o mandato de dois anos, em 1990 e 91, quando ele recebeu aqui em SC importantes interlocutores internacionais, de embaixadores a empresários, que trouxeram negócios e excelentes projetos para o nosso Estado. Fizemos ainda diversas viagens ao exterior quando eu era Secretário de Assuntos Internacionais do Governo Luiz Henrique e ele também promoveu nessas missões diversas iniciativas que colaboraram decisivamente para o crescimento e a internacionalização de Santa Catarina.

Porém, recordo com saudade e gratidão, o longo período em que tivemos uma convivência mais próxima, quando Casildo era Senador e nós morávamos no mesmo apart hotel em Brasília, onde ocupei de 2012 a 2018 os cargos de secretário de Políticas Nacionais do Ministério do Turismo, presidente da Embratur e depois ministro.

Convivi bem menos com Bruno Covas, o qual conheci ainda menino, sempre acalentado e aprendendo a arte de viver e fazer a boa política com seu avô, um dos ícones da redemocratização brasileira e fundador do PSDB, Mário Covas. Sobre Bruno, escrevi que, num momento tão difícil da vida nacional, o Brasil perde uma de suas referências, um político com P maiúsculo, ser humano dedicado a fazer o bem e cuidar do seu semelhante. Bruno era uma pessoa diferenciada, iluminada com sorriso perene no rosto e leveza no olhar. Carinhoso e amável com as pessoas. Tinha uma capacidade franca de gargalhar, um ato sublime de comemorar a vida. Deixa um legado de vida pública e pessoal, de pai e líder espiritualizado no qual se transformou.

Para a imprensa, recordei que, mesmo acometido de doença grave, Bruno continuou a se alegrar com o trabalho. Numa foto que guardarei como relíquia pelo resto da vida, estamos juntos, e com nossas equipes, em setembro de 2020, na primeira versão do ‘Ocupa Rua’ no Centro de São Paulo – uma iniciativa que tomamos para levar frequentadores de bares e restaurantes para as calçadas paulistanas, medida para evitar aglomerações e dar segurança às pessoas ao ar livre. Bruno estava sempre aberto, leve e sorridente – e sempre que possível soltava uma gargalhada, comemorando a vida. Bruno deu um sentido nobre e espiritual à vida pública. Obrigado Bruno.

Como vocês puderam notar, as palavras e adjetivos com as quais qualifiquei Casildo e Bruno são semelhantes, têm sentidos muito parecidos. E neste ponto gostaria de destacar duas manifestações, uma delas do próprio Bruno e outra da família Maldaner, para mostrar como os dois irmanavam as mesmas convicções sobre a vida, sobre fazer o bem e amor ao próximo.

Dois dias antes de morrer, Bruno Covas, no hospital, escreveu uma Carta ao povo brasileiro, paulista e paulistano, em que aponta o caminho que devemos seguir para vencer essa trágica crise de saúde pública, econômica e moral pela qual o Brasil vem passando. Destaco apenas os trechos iniciais: “Espero que estejam bem e protegidos.

Gostaria de, em primeiro lugar, agradecer a todo carinho, a todas as orações e energia positiva que vocês têm me enviado. Lamento não conseguir responder a tantas mensagens, sintam-se todos abraçados. O apoio e o suporte de vocês têm sido decisivos no meu tratamento. Venho seguindo à risca as orientações de minha equipe médica e, de cabeça erguida, enfrentando os desafios que a vida me impõe. A luta é dura e árdua, mas não esmoreço e sigo em frente”, dizia ele, transmitindo uma palavra de esperança. Bruno diz então que “esses últimos meses têm sido muito desafiadores para todos nós.

A pandemia da Covid-19 tem cobrado um preço caro dos brasileiros e vamos caminhando para contabilizar 430 mil mortos. Uma tragédia sem precedentes que já deixa e vai deixar muitas marcas na nossa história. As consequências são catastróficas: vidas interrompidas, famílias em sofrimento, negócios em dificuldade, desemprego, pobreza e, lamentavelmente, a fome. Faço esse preâmbulo pois é exatamente sobre o que se trata o dia de hoje: política. A solução para nossos problemas só será enfrentada pela via da política, pela via democrática, pela seriedade com que os governos trabalham e realizam políticas públicas”. Ou seja, Bruno Covas apontava para o caminho do bem, da solidariedade, da honestidade de propósitos, da gestão competente e eficiente e, principalmente, para a Democracia em todas as suas dimensões como forma de vencer esse inimigo comum chamado pandemia e sua mais terrível sequela, o negacionismo.

Já a família de Casildo Maldaner publicou na imprensa uma homenagem. E ela nos cala profundamente – destaco apenas dois trechos: “Viveu intensamente seus 79 anos, ensinando a todos o significado da palavra amor. Amou como ninguém não só sua família, mas um ideal de vida, dedicando a maior parte dela a cumprir sua missão de se dedicar ao nosso Estado e ao seu povo. Você nos ensinou a sermos humildes, éticos, humanos e a fazer parte da boa e verdadeira política. Levamos de ti os principais ensinamentos: sempre sorrir, nunca temer e jamais manter rancor”. Acredito que o elo que une Casildo Maldaner e Bruno Covas é o amor. O amor incondicional ao próximo, à família, aos amigos, àqueles que tiveram sob sua responsabilidade como governantes e amor à Democracia. Por amor ao Brasil e a Santa Catarina, não podemos permitir que esse legado de Casildo e de Bruno seja esquecido, se quisermos de verdade trilhar o caminho do futuro sob a égide do bem comum e abençoados por Deus.