Nas últimas semanas tenho recebido mensagens e manifestações de leitores, amigos, empreendedores, colegas de gestão pública e de gente da política também, revelando grande indignação com o que vem acontecendo em Santa Catarina em relação ao processo de impeachment do governador eleito e o “entra-e-sai governo” que está causando prejuízos incalculáveis ao Estado – porém, mais do que isso, ferindo gravemente a imagem e toda a reputação de estado modelo que nós catarinenses construímos desde os tempos em que os nossos antepassados imigrantes chegaram aqui.

Os catarinenses estão obrigados a assistir a um vale-tudo, como se não estivéssemos vivendo a maior crise sanitária da nossa história, que até o fim de semana já tinha enlutado familiares e amigos de mais de 12,5 mil catarinenses. Isso sem falar nas irreparáveis consequências econômicas, quando especialmente as micro, pequenas e médias empresas, as maiores geradoras de empregos, passam por um momento de vida ou morte – o Turismo catarinense tem sido uma das maiores vítimas.

Esse impensável vale-tudo, estranho à nossa boa tradição política e comunitária, levou o Conselho das Federações Empresariais (Cofem) a fazer uma manifestação pública, na última semana, defendendo “a celeridade no processo de julgamento de impeachment do governador do Estado em nome da segurança jurídica e institucional de Santa Catarina”. O Cofem pediu também que não ocorressem alterações relevantes na estrutura de governo até que que haja a decisão definitiva sobre a questão do impedimento do governador.

Infelizmente, as alianças políticas e o conflito de interesses sobrepujaram Santa Catarina. E fizeram com que as federações da Indústria, do Comércio, da Agricultura, dos Transportes, das Associações Empresariais, das Câmaras de Dirigentes Lojistas, das Micro e Pequenas Empresas e o Sebrae não fossem ouvidas.

Neste momento da mais legítima indignação dos catarinenses, nada mais oportuno relembrar – especialmente àqueles que agora estão fazendo de Santa Catarina um ringue político – a verdadeira saga que foi a construção deste Estado, hoje referência nacional e internacional. Como é impossível contar aqui a história completa desta saga, vou fazer um recorte no tempo, um tempo que marca o que podemos chamar de início da SC moderna. 

Para isso, recorro ao programa da Record News ‘Estado de Excelência’, do jornalista Raimundo Martins, que há alguns dias foi ao ar com o tema ‘Breve história do milagre econômico catarinense’.  Nele, Martins faz uma homenagem ao professor, advogado, economista, filósofo, jornalista e escritor Alcides Abreu (1926/2015), reeditando uma entrevista que tinha ido ao ar no mesmo programa em janeiro de 2007.   

Na abertura do programa, Raimundo Martins recorda que Alcides Abreu, um visionário que esteve no centro do planejamento da economia catarinense ainda nos anos 50, coordenou o seminário técnico que deu origem ao famoso Plameg, o Plano de Metas do Governo Celso Ramos, que administrou SC de 1961 a 66. O Plameg é considerado o instrumento de planejamento que deu o pontapé inicial na construção da Santa Catarina que temos hoje.

Para dar uma ideia do que significou o planejamento nessa construção, no começo da entrevista Alcides Abreu lembra que “em 1959 o Estado representava 2,6% do PIB do país e tinha 3,2% da população brasileira. Em 2005 nós éramos 4,43% do PIB e 3,1% da população do Brasil”. Em 59, recorda ele, Santa Catarina gerava cerca de 600 milhões de dólares por ano, o que dava 600 dólares per capita com relação à população da época. Em 2005, com 4,43% do PIB brasileiro, cerca de 1,5 trilhão de dólares, SC gerava 67 bilhões de dólares e uma renda de 12 mil dólares per capita. “Isto é: daqueles 600 dólares de 1959, crescemos 20 vezes”, explica o professor.

Também em 1959 o então presidente e um dos fundadores da Fiesc, Celso Ramos, candidato a governador, se une às aspirações do visionário presidente Juscelino Kubitscheck e de um conterrâneo dele, o mineiro Lídio Lunardi, presidente da CNI, para “criar um modelo de participação industrial na formação da vontade política brasileira”, segundo definição de Alcides Abreu, que conta que “foi aí que se ‘inventou’ o Seminário Socioeconômico, em meados de 1959, numa agenda que durou 18 meses, ao fim dos quais se chegou a uma proposta de Plano de Governo, o Plameg”.

O Plameg tinha três pilares: o primeiro, a pessoa humana e os hoje chamados programas sociais, como Educação, Saúde, Segurança, Saneamento Básico; a segunda, o “meio”, isto é, os programas estruturais, de transporte, eletricidade e telecomunicações; e a expansão econômica – “no Seminário havia 15 tópicos sobre essa terceira parte, que vão desde o carvão até a educação para o desenvolvimento, por exemplo”, explica o professor. Os desafios eram enormes: “Não havia eletricidade, por exemplo – nós só tínhamos 70 megawatts, o que é hoje provavelmente a Tupy sozinha. Era menos de 40 watts por pessoa/ano, em 1960. Hoje deve ser 2,8 mil megawatts consumidos, sem limite de consumo”, explica Abreu.               

A partir daí, na entrevista, o professor conta como foi criada a Celesc e Companhia Catarinense de Telecomunicações, futura Telesc, esta já no Plameg II do governador Ivo Silveira (1966/71), além de outras instituições como a UFSC, a Udesc, o Besc, o Badesc, BRDE, que constituíram “o arcabouço da Santa Catarina que temos hoje”.

Outro ponto fundamental destacado por ele foi a abertura de linhas de crédito para os empreendedores catarinenses – programas que, aliás, evoluíram e perduram até hoje como esteio da nossa economia.

Nesta saga, porém, Alcides Abreu coloca um fator determinante: num lance bastante ousado na época, o Governo de SC procurou pelo Banco Interamericano (BID) “para nos ajudar a desenvolver caminhos” e o professor conta que recorda “ter recebido em casa um dos emissários do BID para escolhermos as formas com que poderíamos alcançar a SC que de certa forma hoje nós temos.

Quando o Banco Interamericano propôs os mecanismos, se dispôs também a ser parceiro. E eu me lembro bem que um dos primeiros contratos feitos no pais pelo Banco Interamericano foram os de SC. Porque quem veio assinar o contrato foi simplesmente o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento [Felipe Herrera, chileno, que presidiu o BID de 1960/70]. A assinatura desse contrato possibilitou a SC criar os elementos mínimos para o prosseguimento da energização e do desenvolvimento do Estado”. Mas é na parte final da entrevista – quando fala também que a interiorização do ensino superior pela Acafe é fator primordial na construção do “milagre econômico catarinense – que Alcides Abreu oferece uma lição àqueles que hoje tratam SC como um quintal para suas negociatas: as enchentes de 1983.

Emocionado, o professor conta que “a enchente recobriu durante 30 dias toda a economia catarinense, do Vale do Itajaí ao Norte. Nesse período coube a mim a tarefa que o governador [Esperidião Amin] me incumbiu de fazer as relações com os ambientes externos pertinentes a reconstrução da economia catarinense. Eu tinha um escritório que ele designara para esse exercício. Ao fim de cada jornada a gente submetia a ele um conjunto de expedientes que fazia uma relação do governo do Estado com instituições que pudessem, no momento oportuno, participar do esforço da reconstrução de SC. Vencido o episódio da enchente, o governador criou a Secretaria da Reconstrução e, em função disso, aquilo que as águas tivessem levado foi reconstituído pela energia dos catarinenses, que refizeram as suas empresas e lares de forma ainda mais moderna, mais completa, mais perfeita, mais acabada do que antes”. Esta última frase do professor Alcides Abreu é aquela que nos enche de esperança, de que em breve vamos superar o momento atual que, sem dúvida, é um dos mais graves e infelizes da história do nosso Estado. Pela “energia dos catarinenses”, vamos superar essa crise político-institucional, que agrava e acelera ainda mais a crise sanitária e econômica provocada pela pandemia.

Tenho a mais absoluta convicção de que, como após a tragédia de 1983, faremos uma Santa Catarina “ainda mais moderna, mais completa, mais perfeita, mais acabada do que antes”. Obrigado, professor Alcides Abreu, pelo exemplo, força e coragem que nos transmite nesta hora tão difícil.