Nas colunas anteriores conseguimos traçar um quadro sobre uma ideia que se consolidou ao longo dos anos, desde 1955, com o Plano de Obras e Equipamentos (POE): foi o planejamento feito pelos governos e encampado pelos setores produtivos que fez Santa Catarina crescer exponencialmente e se transformar naquilo que chamo de uma “economia autóctone”, ou seja, gerada e desenvolvida pelos catarinenses de forma única, diferente de todo o país.

Esses planos – os quais estamos recordando desde o final de novembro aqui neste espaço no SCemPauta – se sucederam até a alguns anos atrás e o seu “desaparecimento”, como bússola e mapa da nossa gestão pública, infelizmente deve provocar reflexos negativos num futuro próximo. Por isso tenho insistido aqui que Santa Catarina precisa ter um novo “plano de vida”, para não perder o rumo – e se hoje ainda estamos no topo do ranking entre os melhores indicadores do país, trata-se sem dúvida de frutos que ainda estão sendo colhidos da frondosa árvore do planejamento que cresceu por mais de 50 anos.

Na coluna anterior, o destaque foi para o professor Alcides Abreu, que se transformou num elo entre os ‘visionários catarinenses’ que criaram nos anos 60/70 o arcabouço do planejamento e das instituições que viriam a transformar SC em referência nacional e internacional. E neste ponto não posso deixar de anotar que, se não fosse a conduta, a capacidade de estudo e trabalho, a disciplina, a resiliência, a superação e, também, o caráter conservador dos nossos colonizadores/imigrantes, provavelmente essa coleção de planos de governo não teria passado de pilhas de papel. Somos uma soma de povos e raças de várias partes do mundo. De portugueses a poloneses e gregos, de argentinos a japoneses, de irmãos que vieram do Paraná e do Rio Grande do Sul, mas a maioria oriunda da Europa – e, da Europa, principalmente da Itália e da Alemanha.

E é lembrando da nossa colonização germânica que interrompo mais uma vez o histórico dos planos de governo catarinenses para dividir com você o editorial do jornal O Estado de S. Paulo, edição de segunda-feira passada (dia 1º), intitulado ‘O legado de uma estadista – A era Merkel está no fim, mas o espírito de sua administração segue forte como nunca’. No cerne do editorial está aquilo que escrevi acima: a chanceler Angela Merkel, que deixa o comando do Estado alemão depois de 15 anos, estabeleceu o rumo e partiu para uma luta vitoriosa em busca da estabilidade – essa estabilidade que atualmente nós catarinenses almejamos também.

Uma frase que marca o início do editorial do Estadão é esta: “A era Merkel está no fim, mas o espírito de sua administração segue forte como nunca”. O jornal lembra que “desde que assumiram o comando em 2005, Merkel e o CDU [União Democrata Cristã, que governou o país por 50 dos últimos 70 anos] consolidaram a posição da Alemanha como a principal economia da Europa, com finanças públicas sólidas e baixas taxas de desemprego. O prestígio não foi conquistado em águas calmas. Ela enfrentou o colapso financeiro de 2008, a crise dos refugiados, o Brexit e agora a pandemia (…) e a cada provação ela emergiu mais forte”.

Outro ponto do editorial que destaco é a internacionalização da Alemanha – algo que Santa Catarina primou por construir ao longo de décadas, que se acelerou a partir de 2003 com os governos Luiz Henrique e que hoje se encontra estagnada, a não ser pelas ações da iniciativa privada. O Estadão lembra que, na política externa, Merkel enfatizou a “necessidade de cooperação internacional, fortalecendo os laços com a UE e a Otan. Na crise da dívida europeia, arriscou o dinheiro alemão, mas manteve a estabilidade do euro. Merkel liderou a UE nas sanções à Rússia após a anexação da Ucrânia e na crise dos refugiados se posicionou firmemente, quase sozinha, em nome dos valores europeus, recebendo mais de 1 milhão de exilados”.

O jornal lembra também que ao fazer um perfil de Merkel, a revista The Economist delineou três marcas de sua gestão: ética, não ideológica; reativa, não programática; e desapegada, não engajada. Diz a revista: “Sua fé luterana (‘uma bússola interior’) se expressa em seu estilo discreto e seus instintos: a dívida é ruim; ajudar os necessitados é bom”. Para O Estadão, Merkel sempre mantém as opções abertas e evita polarizar os debates. “Sou um pouco liberal, um pouco social-cristã, um pouco conservadora”, definiu-se ela.

O editorial do jornal paulista conclui que “com a saída de Merkel, as democracias liberais perderão uma protagonista decisiva no teatro global. Em tempos de ascensão do populismo, sua trajetória à frente de seu partido e de seu país são um exemplo de estabilidade, pragmatismo e decência”.

É com esse exemplo de gestão pública da Sra. Merkel que encerro aqui esta coluna, escrita para servir de reflexão sobre o que vem acontecendo no nosso país e no Estado catarinense. Na próxima coluna, vamos voltar aos planos de governo que servem de referência para a construção de um novo plano de vida para Santa Catarina – um plano que precisa ser estável, pragmático, decente e também inspirador.