Antes de entrarmos no tema de hoje não posso deixar de anotar algumas mensagens que recebi de leitores a respeito da última coluna aqui no SCemPauta, em que enalteci a importância da ação que nós catarinenses fizemos para que nossas cidades recebessem a vacina do Butantan – ação esta realizada por meio da Federação de Municípios, que por consequência desencadeou iniciativas idênticas em todo o país e acabou pressionando o Governo Federal de tal maneira que hoje até o negacionista presidente da República virou garoto-propaganda da vacina que antes abominava e dizia que nos transformaria em jacarés.

Naquela coluna ressaltei a coragem do governador João Doria, que enfrentou todas as adversidades, críticas, mentiras e ameaças para que hoje o Brasil pudesse ter uma vacina. Além de leitores que concordaram com meu ponto de vista, outros acabaram por  reconhecer que – ao contrário do que acreditavam antes – se não fosse pela ação visionária do governador de São Paulo hoje o Brasil não estaria vendo os profissionais da saúde nem outros grupos de risco sendo vacinados. Esse reconhecimento é importante, porque é uma vitória do bom senso: o episódio da vacina do Butantan marca indelevelmente a diferença entre o trabalho sério, corajoso, competente, em favor do povo brasileiro e sempre junto da ciência e da razão; e o omissão, a incompetência, a covardia e o curandeirismo negacionista. Um trouxe a esperança. O outro tem trazido a dor e a desgraça.

Feitas essas considerações, vamos ao tema desta semana, na continuação da construção do ‘sonho catarinense’, que serve de referência para que a gente possa elaborar um novo plano de vida para o nosso estado.  Estávamos em meados da década de 70, quando começam a funcionar a pleno vapor os planos de governo que já vinham sendo elaborados e executados com maior ou menor eficácia desde o final dos anos 50. Por trás desses planos e também das ações governamentais que incentivaram a indústria e a agroindústria e foram pilares da consolidação de um Estado hoje reconhecido como único no país e também no exterior, estavam ‘pensadores’ e dentre eles destaquei o professor, advogado, economista, filósofo, jornalista e escritor Alcides Abreu.

Nascido em Bom Retiro em 5 de setembro de 1926, Alcides Abreu formou-se em Direito pela UFSC (1946/50) e em Filosofia também pela UFSC (1956/60). Concluiu Cursos de Extensão/Pós-Graduação em Economia pela Universidade de Paris (1951/52); fez Doutorado em Direito pela UFSC (1955); Curso de Planejamento do Desenvolvimento nos EUA, USAID, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (1963); Administração de Sistema de Formação Profissional (Rio/1953/Organização Internacional do Trabalho OIT e também na Suíça, Alemanha, França/1957/OIT). Foi titular da cadeira 16 da Academia Catarinense de Letras e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

Era um homem simples, inteligente e perspicaz como poucos. Foi com essa perspicácia que Alcides Abreu ensinou uma das lições que carrego comigo até hoje: a questão que abre toda a formulação para o grande salto social-econômico catarinense. Perguntava ele: ‘Qual é o maior ativo de SC que não o seu patrimônio imobiliário fronteiriço costeiro? ’ E ele mesmo respondia: ‘É sobre este patrimônio que temos que planejar o futuro’. É claro que o professor se referia aos 550 quilômetros de litoral catarinense, que fazem “frente” ao nosso território.

O que Alcides Abreu quis nos dizer é que a partir desse patrimônio fronteiriço costeiro deveríamos promover o desenvolvimento integrado e integrar Santa Catarina, àquela época um Estado ao qual não só faltava integração, mas até mesmo identidade – éramos um território que se “reportava” aos estados vizinhos, a depender da imigração que vinha deles e da posição geográfica de cada região. Assim, por exemplo, tínhamos a região de Joinville (Norte) sob forte influência de Curitiba e do Sul do Paraná, assim como o Sul catarinense, a Serra e o Oeste se voltavam para o Rio Grande do Sul. Diante desse cenário, o professor Alcides Abreu considerava que as ações de planejamento tinham que fazer desse patrimônio fronteiriço costeiro, de valor inestimável, a plataforma de infraestrutura que poderia movimentar não só as vocações econômicas, mas também sociais, culturais e intelectuais do nosso Estado. Um movimento de vai-e-vem, que hoje acontece tão naturalmente – do Oeste para o Leste, do Norte para o Sul – que nem nos damos conta.

Desse ponto de vista é que se percebe o mérito de todos os que vieram fazendo e executando planos de governo desde Irineu Bornhausen, em 1955, e que construíram, uns mais, outros menos, essa plataforma de infraestrutura preconizada por Alcides Abreu. Tal plataforma, num rápido olhar, se materializa em cinco portos, quatro aeroportos – dois deles internacionais – e uma rodovia duplicada que corta o Estado do Sul ao Norte, a BR-101. Olhando para o que temos hoje, vemos que a formulação feita por Alcides Abreu foi algo genial e que, agora, mais de quatro décadas depois, pode parecer simples ou talvez até óbvio. Como eu disse ao final da coluna anterior: essa é uma característica dos gênios. Eles descobrem ou inventam coisas que a maioria de nós não consegue “ver” – e que depois de descobertas ou inventadas parecem muito simples.

É esse legado de Alcides Abreu e outros de seus contemporâneos, assim como dos governos que se sucederam, que vamos explorar nas próximas colunas, no intuito de construir um novo plano de vida para Santa Catarina.