Da esquerda para a direita, além de dois participantes não identificados, aparecemos: eu, na época secretário de Desenvolvimento Econômico, o então Deputado Wan-Dall, a esposa do prefeito, ele próprio, e o governador Amin. Registro oficial.

Amin suplantado no tema “irreverência”? 

A fama de irreverente e, às vezes, inconveniente, é do Amin. Mas, tanto quanto me lembro, o feito mais espetacular que testemunhei nesse quesito foi, ainda que de modo involuntário, do então deputado Wilson Wan-Dall. Já no segundo mandato de Esperidião como governador de Santa Catarina, houve um convite a ele para visita à Alemanha visando ao estreitamento de relações entre o nosso Estado e algumas comunidades interessadas no intercâmbio conosco. Amin organizou a comitiva, incluindo, além de outros, o divertido e comunicativo deputado Wan-Dall, e também eu, na ocasião secretário de Desenvolvimento Econômico que supervisionava a área do turismo. Lá fomos nós.

Wandalizando” na Alemanha

A folhas tantas da programação, aconteceu um jantar patrocinado pelo prefeito de uma das cidades visitadas. Tudo no maior capricho: bela decoração, pratos típicos, elogios mútuos, rapapés. E, infelizmente (tendo em vista o desfecho) muita cerveja e alguns schnapps. Ao final, aconteceram os discursos protocolares e, mais uma vez por trapaças da sorte, a palavra foi liberada para quem quisesse se manifestar. Wan-Dall, de imediato, informou que ia contar uma piada a respeito de “alemães” da nossa cidade. E tascou uma demorada narrativa sobre dois herdeiros do sangue germânico, moradores da Vila Itoupava – distrito de Blumenau distante da área urbana. A dupla criava um porco “de meia” (em parceria) lá no Bairro Garcia, no outro extremo do município. 

Já com o suíno no ponto e devidamente abatido, partiram os dois, naturalmente sem a necessária vistoria e liberação das autoridades sanitárias, para a longa jornada até a Vila, atravessando Blumenau de ponta a ponta e tendo de passar, inclusive, pelo Posto da Polícia Militar, na rodovia Guilherme Jensen. Temendo serem detidos pelos policiais, inventaram uma engenhosa estratégia: vestiram o bicho, que ainda estava inteiro, com roupas e um chapeuzinho tipo Oktoberfest, e colocaram-no sentado no banco traseiro como se fosse um passageiro. 

Os temores se confirmaram. Mal chegaram ao posto, um dos policiais militares abordou o veículo. Deu uma olhada para dentro do carro, pediu documentos, espiou novamente o banco de trás e, afinal, liberou o carro para seguir viagem. Em seguida, um outro policial estranhou alguma coisa no jeito do primeiro e indagou se havia alguma coisa errada. Ele disse então que, com o carro e os documentos, tudo estava certo. E acrescentou: “mas, vou te contar, esses alemães lá da Vila estão ficando cada vez mais feios; tinha um ali no banco de trás que parecia um porco”.   

O desfecho da narrativa arrepiou o Prefeito e seus convidados locais. Foi um silêncio sepulcral. Até Amin, autor, muitas vezes, de contos bastante informais, parecia ter congelado.

Imagem Revista Veja

A réplica do prefeito alemão    

O prefeito disse, a seguir, que, tendo ouvido a narrativa do deputado, iria contar uma breve história sobre brasileiros. E lembrou de uma viagem que fez de carro, com a família, pelo interior dos estados do Sul do Brasil. Em certo momento, disse que, em alguma rodovia, foi detido por autoridade policial que pediu seus documentos. Ele, a esposa e os filhos apresentaram seus passaportes, mas, o guarda disse que não eram aqueles documentos que ele queria. O viajante mostrou, então, tudo o mais que tinha – reserva de hotéis, convite para um evento no Rio Grande do Sul, coisas assim – e nada satisfazia o guarda. Já sem pensar em outra alternativa, resolveu arriscar: estendeu uma nota de 50 euros. E o policial confirmou que aquele era o documento certo. 

O prefeito alemão completou sua fala, dizendo: “esta é história que me lembrei de contar hoje sobre os brasileiros”. Mais que um tapa, foi um pontapé, na nossa cara. O governador se levantou em silêncio, acompanhado por toda a comitiva e, sem despedidas, fomos embora. Um baita fiasco diplomático.


Faltou na nossa comitiva um intérprete com o padrão do japonês do Amin (cuja curioso episódio relatei na coluna anterior): em casos como esse, em que a tradução fiel pode criar um grave embaraço, a solução é ouvir, peneirar e passar ao interlocutor alguma versão fake da narrativa.

(Foto: TCE)

Em favor do valoroso representante de Blumenau na Assembleia Legislativa, depois membro e Presidente do Tribunal de Contas do Estado, é oportuno lembrar que eu e muitas pessoas mais ouvimos ele contar essa história diversas vezes. Ele deve tê-la repetido em dezenas de outras oportunidades, algumas delas para plateias como da própria Vila Itoupava onde existe um enraizado orgulho da ascendência germânica. A apresentação sempre foi recebida com muito bom humor, como acontece com toda boa anedota. O que Wilson não contava era com a incompreensão daquele alemão da gema, não habituado, claro, com o tipo de humor, muitas vezes desbragado, que praticamos no Brasil. 

Próxima coluna:

Três experiências pessoais no âmbito da segurança pública: Japão, Cingapura e Brasil.