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Governo quer contratar mais de R$ 1 bi, sem licitação – Imagem: Secom

O SCemPauta descobriu que o Governo do Estado firmou mais dois termos de parceria sem licitação com duas empresas de tecnologia, que juntos podem alcançar mais de R$ 1 bilhão em contratos. Os projetos, conduzidos pelo Centro de Informática e Automação de Santa Catarina (CIASC), envolvem a criação de um sistema de segurança nas escolas estaduais, com custo previsto de R$ 956,7 milhões, e o desenvolvimento do Detran Net, orçado em R$ 60 milhões, ambos com previsão de execução em cinco anos.

Ainda em trâmite e não divulgados até agora ao público, os processos aguardam efetivação, mas já levantam questionamentos sobre a ausência de licitação e as restrições de transparência, mesmo com a legalidade defendida pelo governo por ser realizada por uma empresa estatal.

Mas, nestes quatro casos (telemedicina, câmeras nas escolas, Detran Net e acompanhamento territorial), sendo que os três últimos foram revelados pelo SCemPauta, as investigações oficiais, conforme apurado pela coluna, devem focar na tentativa de burla das licitações e nas indicações prévias das empresas que acabaram vencendo as propostas de parceria. E mais: as investigações subiram para o patamar de apurações criminais, além das supostas improbidades administrativas e um possível dolo no direcionamento dos processos para empresas e, ao mesmo tempo, para evitar licitações por meio das parcerias com o CIASC.

O começo

Cinco de abril de 2023. Quatro crianças são mortas em uma creche em Blumenau. A tragédia choca o estado e mobiliza o governo. Cinco dias depois, o governador Jorginho Mello (PL) anuncia, em entrevista coletiva, uma grande ação de segurança nas 1.053 escolas estaduais, declarando: “Não importa quanto isso vai custar, o Governo do Estado vai fazer porque nossos filhos e netos merecem estar seguros nas escolas”. Contudo, em 18 de setembro de 2023, sem nenhum comunicado público ou ato oficial, a Secretaria de Estado de Educação abre, no sistema administrativo SGPE, o processo SED 00140626/2023 e solicita ao CIASC a análise de soluções tecnológicas para segurança escolar. Desde então, e até a publicação desta reportagem, a aba de documentos do processo segue desabilitada, restringindo o acesso a detalhes da ação, em uma nova clara restrição de transparência ao processo, além das alegadas justificativas para as peças dos processos no CIASC relacionados aos planos de negócios e valores envolvidos no investimento do estado, que será pago pelas secretarias estaduais e o Detran e as empresas escolhidas.

A escolha da ARC

Em um despacho de 21 de setembro de 2023, a Secretaria de Estado da Educação requisitou ao CIASC que buscasse uma solução integrada para o monitoramento das escolas. Na mensagem, enviada ao gerente de Licitações do CIASC, Sidinei Alex Masiero, a SED especifica que a empresa ARC Comércio Construção e Administração de Serviços LTDA já havia proposto uma solução: “Caro Sidinei, com a manifestação da SED, solicitando análise do CIASC, visando à possibilidade de fornecimento de um Sistema Integrado de Monitoramento e Gestão do Ambiente Escolar para a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED-SC). Considerando que a empresa ARC – Comércio Construção e Administração de Serviços LTDA já nos procurou e apresentou uma solução que poderá atender a essas demandas da SED, solicito que inicie o processo de parceria, se a mesma atender os requisitos para parceria”.

Em resposta à solicitação, o CIASC abriu o processo de chamamento público, mas somente em abril deste ano, cinco meses após o pedido inicial. O edital, publicado no Diário Oficial, descreveu genericamente o projeto como uma “Plataforma de Segurança para Supervisão e Operação em Missão Crítica”, sem mencionar o uso específico para segurança nas escolas. Esse detalhe, somado ao prazo reduzido para submissão de propostas, segundo especialistas, pode ter desestimulado concorrentes ou até inviabilizado a concorrência. Ao final, a ARC venceu o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) em 22 de maio.

Após o resultado, em 26 de agosto, o CIASC e a ARC assinaram um termo de confidencialidade, restringindo o acesso público a documentos financeiros, incluindo a planilha de custos. No extrato da parceria, publicado em 27 de setembro, o CIASC apenas informa novamente a “missão crítica”: “Extrato do Acordo de Parceria 322/2024 – Processo CIASC 1921/2023 – PMI 017/2024. Objeto: Realização de parceria entre o CIASC e a PARCEIRA para o desenvolvimento e disponibilização à sociedade e ao governo de Plataforma de Segurança para Supervisão e Operação em Missão Crítica. Parceira: ARC COMERCIO, CONSTRUÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE SERVIÇOS LTDA. CNPJ: 01.565.706/0001-63. Vigência: 05 (cinco) anos a contar da sua assinatura, 25 de setembro de 2024. Florianópolis, 25 de setembro de 2024. Signatário: Diego Ricardo Holler, Vice-presidente Administrativo e Financeiro do CIASC.”

O único ato público sobre as intenções de busca no mercado de uma solução para o problema foi publicado em 19 de abril deste ano no Diário Oficial do Estado, cinco meses depois do pedido da Secretaria de Educaçao. O documento possui um “objeto” que não explica às empresas do setor o que poderá ser a maior contratação do governo nos próximos cinco anos, e nem mesmo que é destinado à segurança nas escolas. Além disso, diante de um projeto de grande dimensão, segundo especialistas do setor, concede menos de um mês para que as propostas sejam apresentadas, no caso, em 13 de maio deste ano.

Empresa saiu na frente

É importante considerar nesta cronologia que a ARC já tinha procurado o governo com uma proposta específica, além de a pasta ter recomendado que ela deveria ser atendida e, portanto, largou na frente das demais empresas: “AVISO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE 017/2024 – Processo CIASC nº. 1921/2023 – Edital de Manifestação de interesse 017/2024. Objeto: a presente Manifestação de interesse tem por finalidade o estabelecimento de parceria para viabilização Plataforma de segurança para supervisão e operação em Missão Crítica, visando atender a administração pública. Da entrega da Documentação e da Proposta: até às 14h00 do dia 13/05/2024. A sessão pública de abertura das propostas terá início às 15h00 do dia 13/05/2024. Acesso ao Edital de Manifestação de Interesse pelo site: https://www.ciasc.sc.gov.br/licitacoes/ Data: Florianópolis, 18 de abril de 2024. Signatário: Diego Ricardo Holler, Vice-presidente administrativo e Financeiro.”

Em 22 de maio deste ano, a sessão pública do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) da “missão crítica” teve a participação de outras duas empresas, mas venceu a proposta da ARC. Em 26 de agosto de 2024, foi assinado um termo de sigilo entre as partes, o que faz com que peças do processo, incluindo a planilha de custos e preços apresentados pela vencedora, deixassem de ser visíveis no processo aberto ainda em 2023. A data do dia 13 de maio citada no ato oficial passou para o dia 22 do mesmo mês somente após a empresa Claro pedir o aumento do prazo. O motivo era justamente “a complexidade do objeto e seus detalhes”.

Mesmo assim, foram concedidos apenas mais nove dias de prorrogação do dia para entrega das propostas. As concorrentes não foram habilitadas por não terem “informações suficientes para uma análise adequada” em um dos casos. No outro, mesmo com informações técnicas qualificadas, a empresa foi desclassificada por não apresentar atestados de qualificação técnica para 10 itens do edital, incluindo um considerado obrigatório, o chamado “botão de pânico”.

Sem nenhum anúncio oficial diante dos valores envolvidos na contratação, que pode ser efetivada pela Secretaria de Estado da Educação (nominada como “cliente” do CIASC na formalização), para a possível solução do problema, a parceria foi publicada no Diário Oficial do dia 27 de setembro passado, novamente, sem indicar que o projeto serviria ao monitoramento das escolas por meio de câmeras de reconhecimento facial e outros aparatos tecnológicos: “Extrato do Acordo de Parceria 322/2024 – Processo CIASC 1921/2023 – PMI 017/2024. Objeto: Realização de parceria entre o CIASC e a PARCEIRA para o desenvolvimento e disponibilização à sociedade e ao governo de Plataforma de Segurança para Supervisão e Operação em Missão Crítica. Parceira: ARC COMERCIO, CONSTRUÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE SERVIÇOS LTDA. CNPJ: 01.565.706/0001-63. Vigência: 05 (cinco) anos a contar da sua assinatura, 25 de setembro de 2024. Florianópolis, 25 de setembro de 2024. Signatário: Diego Ricardo Holler, Vice-presidente Administrativo e Financeiro do CIASC.”

Uso da tragédia

Na justificativa da Secretaria de Estado da Educação enviada ao CIASC ainda em 2023, a tragédia de Blumenau não é citada explicitamente como um dos motivos para o bilionário investimento da pasta, mas o contexto dos crimes é mencionado: “Como é de conhecimento comum, eventos recentes em nossas instituições de ensino têm causado inquietações e riscos à integridade física de todos os evolvidos na Educação. Embora o Governo de Santa Catarina tenha respondido de forma integrada, pelo Programa Rede de Segurança Escolar, é claro que ainda precisamos de infraestrutura e recursos adicionais para aprimorar a segurança no ambiente escolar.”

Sigilosa, a planilha de custos do projeto ao qual o SCemPauta teve acesso com exclusividade prevê investimentos “valor acumulado da parceria” de R$ 956.769.934,61, quase um bilhão, até o mês 60, o último dos cinco anos do acordo firmado entre as partes.

Mesmo sem um contrato com a SED, pelo menos até agora não tornado público ou publicado em Diário Oficial, o processo e seus despachos visíveis (aquele mesmo sem a aba de documentos e que cita no primeiro ato a empresa que venceu a disputa por já ter oferecido a solução à SED) revelam que a empresa já está autorizada a fazer testes em escolas.

A primeira é uma mensagem do CIASC solicitando a autorização: “CIASC/GAB 12/08/2024 12/08/2024 Senhor Vice-presidente, Conforme solicitação, foi encaminhada correspondência à SED, para indicação de Unidade Escolar para projeto piloto de monitoramento de espaços públicos a ser implementado pelo CIASC – vide ofício à folha 111. Para que seja dada continuidade ao Projeto. Cordialmente, Júnia Soares, Chefe de Gabinete”.

A segunda, da SED, confirma, sem dizer qual escola foi escolhida, que está autorizado ainda no começo de setembro: “SED/DIEN 03/09/2024 03/09/2024 Encaminhamos informação com autorização – 1 CIASC/APD 03/09/2024 03/09/2024 Segue para providências e seguir com os testes”.

Detran Net

Outro contrato em trâmite envolve o projeto Detran Net, estimado em R$ 60 milhões. Após o chamamento público, realizado em março de 2024, a Thomas Greg & Sons Gráfica e Serviços Ltda foi a única concorrente qualificada. Dentro do processo, pareceres internos assinados por Patrícia Kuerten R. Amboni, gerente de contabilidade, e Matheus Norberto Gomes, gerente de finanças, questionam o plano de negócios apresentado pela empresa, destacando que o CIASC adotou um preço fixo antes mesmo de calcular a lucratividade do projeto: “Antes de procedermos com a análise detalhada, é importante destacar um ponto crucial sobre a metodologia empregada. O caminho natural para a formação de preços em um projeto como este seria, primeiramente, realizar um levantamento detalhado dos custos envolvidos e, a partir desses dados, definir o preço dos serviços a serem prestados. No entanto, observamos que a Gerência de Mercado já estabeleceu um preço fixo e está, neste momento, buscando calcular a lucratividade com base nesse preço pré-definido”, observam os diretores.

Em outro ponto do parecer, destacam inconsistências nos períodos das projeções financeiras: “Questionamos a periodicidade das estimativas apresentadas, tanto para as despesas quanto para as receitas. Por exemplo, a receita estimada de 947 mil reais é referente a qual período? Estamos considerando uma projeção anual, mensal ou outro intervalo de tempo? Da mesma forma, o custo com pessoal estimado em 10 mil reais. O valor do software e hardware é de aquisição ou pagamento mensal ou anual? Qual é a base de tempo utilizada para essas estimativas? É de suma importância que as estimativas, quantitativos físicos, receitas e despesas, estejam na mesma base temporal, para que os cálculos sejam consistentes e os resultados comparáveis. Recomendamos que essa questão seja esclarecida e que as estimativas sejam ajustadas, se necessário, para refletir adequadamente o período considerado, mês ou ano, por exemplo”.

Apesar dos questionamentos, a Diretoria Executiva do CIASC homologou o projeto, incluindo uma recomendação para que a matriz de riscos fosse integrada posteriormente. O governo foi procurado e ficou de se manifestar.

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