Santa Catarina de 1979 a 1982. A Era Jorge Bornhausen (II).
Ainda nos meus primeiros meses de trabalho como Chefe de Gabinete do Secretário do Planejamento, o Governador Jorge Bornhausen e o Secretário Ingo Zadrozny viajaram em missão oficial à Alemanha. Fui então empossado como titular do cargo.
Gafe de novato?
Recém-instalado na interinidade de Secretário de Estado, recebi informação da minha secretária de que o Professor Alcides Abreu, Presidente da Fundação de Amparo ao Meio Ambiente (FATMA), desejava ter uma audiência comigo. Abreu era, já de décadas, uma celebridade no mundo da política e da administração pública de Santa Catarina. Formado em Direito e Filosofia, Doutor em Direito, pós-graduado em Economia pela Universidade de Paris, foi Presidente do Banco Regional de Brasília e do BESC, Conselheiro do então BNDE, Conselheiro do TCE. E conhecido por seu notável trabalho no planejamento de Santa Catarina durante o Governo de Celso Ramos nos anos 1960. Eu tinha perfeita consciência da importância do Dr. Alcides Abreu, tanto que, imediatamente, mandei passar o recado à secretária dele de que eu iria até seu gabinete na FATMA para encontrá-lo. Mas, ele mandou dizer que fazia questão de vir ao meu local de trabalho.
Pouco depois lá chegou ele, com sua proverbial elegância e cordialidade. Após breves e protocolares cumprimentos, apresentou-me uma carta, que havia escrito de próprio punho, e disse que esperaria que eu a lesse. A missiva era seu pedido de demissão do cargo que ocupava. Não expunha nenhuma queixa ou motivo de descontentamento, apenas alegava “motivos pessoais”. Argumentei que, estando eu exercendo apenas por alguns dias o posto de Secretário, não seria adequado acatar um pedido daquela natureza e, muito especialmente, em razão da importância do signatário. Mas, ele argumentou que era dessa forma e nessas circunstâncias que ele desejava sua liberação, e pediu-me que, por gentileza, mandasse preparar o ato de exoneração e o assinasse imediatamente para que já no dia seguinte fosse publicado no Diário Oficial do Estado.
Diante de tal inflexibilidade, assim procedi.
Algumas horas mais tarde o Governador ligou-me da Alemanha. Disse ter tomado conhecimento de que o Professor Alcides Abreu estaria demissionário. Relatei a visita dele, a entrega da carta e o pedido de que fosse exonerado. Dr. Jorge então perguntou: “e você, o que fez”? E eu respondi que, como a solicitação era em caráter irrevogável, não me cabia outra atitude a não ser atendê-la. E que o ato já estava na Gráfica Oficial.
Felizmente o Governador não me pediu para correr atrás e barrar a demissão. Mas, pareceu-me ter ficado pasmo com a ousadia desse novato de, ainda que atendendo um pedido irrevogável, demitir o eminente Professor Alcides Abreu. É possível que ele preferisse que eu, como se dizia na época, “empurrasse com a barriga” o assunto até a volta do titular do cargo e do próprio Governador. Mas, isso me teria constrangido porque a decisão de aceitar a demissão de Abreu não teve como causa algum descaso com o Professor, mas, bem pelo contrário, foi motivado exatamente pelo grande respeito que eu tinha por ele.
Sorte de principiante.
Ainda nas primeiras semanas de trabalho, houve uma importante reunião na Secretaria da Fazenda, com a presença do Governador, para discutir questões orçamentárias. Na impossibilidade de o Secretário Ingo Zadrozny comparecer, fui convocado para representar o GAPLAN. A questão mais importante da pauta era o sufoco financeiro naquele momento para atender todas as prioridades definidas pelo Governo. E o problema nem era exatamente falta de dinheiro. A arrecadação até estava muito boa. O que afligia a equipe financeira era a falta de disponibilidade orçamentária, devido, principalmente, ao alto percentual representado pelo montante reservado para a Educação – de onde não se podia legalmente tirar recursos e também assim não queria o Governador já que essa era sua área mais prioritária.
Tendo eu, antes da reunião, examinado o Orçamento Geral do Estado, percebi que a quantia à disposição da Secretaria da Educação era em volume exagerado, muito superior à sua capacidade de investimento. E mesmo assim, mal preenchia o percentual mínimo exigido pela Constituição. Era um paradoxo. Por outro lado, não havia, no orçamento da Secretaria, nem um centavo para o pagamento dos professores e dos funcionários da área educacional. Naquela época, todo o enorme volume de recursos para o conjunto do funcionalismo estadual, inclusive magistério, fazia parte de uma rubrica denominada “Encargos Gerais do Estado”.
Lá pelas tantas da reunião, no auge do debate sobre o que e quanto teria que ser cortado de vários setores da Administração para se adequar à receita, pedi para dar um palpite. E, placidamente, sugeri o que para mim parecia o óbvio: transferir, da rubrica orçamentária dos Encargos Gerais para a da Secretaria da Educação, toda a verba relativa ao pagamento de professores. E a enorme quantia que sobraria na Educação, poderia ser distribuída para as demais prioridades do Estado. “Mas, isso pode”? perguntou o Governador. Sim, disse eu, acho que pode; o valor que se despende com o magistério é investimento, não é despesa. Mas, acrescentei, convém checar com a área jurídica do Governo. Feita, rapidamente, a consulta, e recebida a resposta positiva, eclodiu um clima de festa na reunião. A solução não resolvia apenas um problema daquele ano, mas de todo o período de Governo e daí para sempre.
Recebendo abraços e cumprimentos por ter encontrado o ovo de Colombo, falei o que era a verdade: “isso é sorte de principiante”.
Próximo capítulo.
Na semana que vem prossigo garimpando minhas lembranças de fatos ocorridos no período em que Jorge Bornhausen era Governador do Estado. Memórias de acontecimentos de que participei ou, pelo menos, presenciei, como todas que venho relatando. Vou “copiar da cabeça”, como disse certa vez um dos meus professores no Mestrado da Faculdade de Direito da USP, o sucesso de âmbito nacional que foi o recém-criado Prêmio Cruz e Souza, e, de acréscimo, a descoberta do motivo pelo qual o Ministro Antônio Delfim Netto era tão poderoso.
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