As duas faces do Presidente Figueiredo: pacificador e malcriado (Primeiro de 3 capítulos).
Antecedentes narrados em comentários anteriores.
Em 15 de março de 1979, o General João Baptista de Oliveira Figueiredo tomou posse como Presidente da República com a missão de encerrar o ciclo autoritário e reinstalar a democracia no País. O Ministério da Comunicação Social resolveu transformar o militar durão e mal-humorado, que ele era, em uma espécie de “presidente popular”. Em novembro do mesmo ano ele viajou para Florianópolis já em trajes civis, com o nome abreviado para João Figueiredo e despojado de seus costumeiros óculos escuros. Foi com este modelo que ele, oficial da Cavalaria, deu com os burros n’água.Quando o Presidente estava na sacada do Palácio Cruz e Souza, sede do Governo Estadual, saudando o povo, um grupo de jovens contestadores, interpretando mal um gesto seu, partiu para o desaforo. E, desse repertório, irrompeu uma desabonadora referência à mãe de Figueiredo. Foi o estopim para a explosão da “Novembrada”. O personagem do novo João esqueceu as falas do papel que lhe cabia e reagiu no seu velho estilo cavalariano: partiu para o confronto.
Controverso, mas operante, Figueiredo cumpriu sua missão.
O Presidente Figueiredo, notoriamente, não era um exemplo de pessoa fina, sensata, educada, diplomática. Fez e aconteceu em palavras e obras, dentro e fora do Governo. No entanto, há que lhe fazer justiça: ele não arredou pé do compromisso de que fora incumbido. Persistiu no rumo da redemocratização, até mesmo, paradoxalmente, com ameaças de “prender e arrebentar” quem se opusesse a esse propósito. Frase esta que, diga-se de passagem, tem sido citada em contexto bem diferente.
Um dos objetivos mais difíceis da transição democrática era a aprovação de uma absolvição geral para todos os que se envolveram em conflitos durante o período militar. Ainda em agosto de 1979 (três meses antes da Novembrada, portanto), Figueiredo preparou, enviou ao Congresso e, após a votação favorável, sancionou a Lei da Anistia.
O documento não foi” geral e irrestrito” como defendiam, no Congresso e nas ruas, os defensores de que fossem incluídos no perdão também os que haviam praticado atos terroristas, como atentados a bomba, execuções após julgamentos privados, e sequestros. Mas, como reconheceu a própria oposição política no Congresso, aquela que foi aprovada era a “anistia possível”. Na decisão final, em votação simbólica, grande parte do oposicionista MDB apoiou o projeto de Figueiredo. O raciocínio era simples e pragmático: antes aquela anistia do que nenhuma anistia.
Ela permitiu, nas semanas seguinte, o retorno ao Brasil dos exilados, banidos ao longo dos governos militares. Voltaram, entre muitos outros, figurões da esquerda, como o Presidente do Partido Comunista Luiz Carlos Prestes, o ex-Governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro Leonel Brizola, o ex-Governador de Pernambuco Miguel Arraes e o líder das “Ligas Camponesas’ Francisco Julião.
Embora tivesse teimado em manter o texto da Anistia como estava, sem flexibilizações, Figueiredo não se opôs, pouco tempo mais tarde, que muitos dos excluídos daquele ato também passassem a ser soltos por revisões dos Tribunais Militares ou por indulto dele próprio, do Presidente da República. Sete dos jovens que colocaram a mãe dele “em pauta”, acendendo a espoleta da Novembrada – e acabaram presos – foram libertados já duas semanas depois do evento. Colaborou bastante para esse resultado a bênção e a ajuda do Governador Jorge Bornhausen, e, também, a pressão popular e da imprensa.
Raios e trovões nos céus da democracia.
No período em que governou o Brasil, aquele General Presidente muitas vezes grosso, quase sempre ranzinza e intempestivo, terminou com o sistema bipartidário que vigorava desde os primórdios do Regime Militar, reinaugurando o pluripartidarismo. Enfrentou a chamada “linha dura” dos militares, assim como Geisel já o fizera, para, no caso de Figueiredo, levar adiante tanto a anistia como a abertura do leque partidário, e, mais ainda, para preparar o complexo capítulo final dessa fase da história: o momento da escolha de um novo Presidente. Figueiredo foi teimoso, insistiu, persistiu, e emplacou uma transição aceitável e digna. Boa para o Regime que, naquele momento já estava bastante enfraquecido pelo desgaste de 21 anos de poder, e boa para o País.
É simbólico o fato de que, nesse momento crucial para a história, João Figueiredo tenha enfrentado a má vontade de ambos os lados da contenda: o pessoal da oposição que brigava, primeiro por anistia mais ampla, e depois por eleições diretas e imediatas, as históricas “diretas já”; e, do outro lado do rinque, os brucutus da “linha dura” que não queriam anistia, não queriam eleições que não fossem perfeitamente controladas e não queriam abertura nem transição para a democracia. O Presidente, porém, conseguiu contemporizar com os radicais do seu time e articulou uma eleição presidencial, ainda indireta, mas, com candidaturas abertas aos civis. E com uma garantia implícita de que a eleição seguinte, aí sim, seria livre e direta.
Próxima Coluna.
Na segunda feira que vem vou comentar as sui-generis eleições presidenciais de 1985, com suas mudanças de percurso e o papel decisivo da “Frente Liberal” com Jorge Bornhausen no primeiro time dos articuladores. Vou também relembrar traços da personalidade e Figueiredo e algumas das mais famosas frases.
Veja mais postagens desse autor