Policiais desarmados nas eleições e o paradoxo penal do “Garantidor” – Coluna do Thiago de Miranda Coutinho
Com a proximidade das eleições, marcadas para domingo (02/10), um dilema aflige os policiais brasileiros. Ocorre que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o direito de portar armas de fogo em um raio de 100 (cem) metros de distância dos locais de votação. Inclusive, tal determinação se aplica desde as 48 horas que antecedem a votação, até as 24 horas posteriores ao pleito.
Segundo o eminente relator, exmo. sr. Ricardo Lewandowski, “armas e votos não se misturam”, pois, “eleições constituem o próprio coração da democracia”.
Dessa forma, o ministro pontuou que o porte de armas de fogo só será permitido aos integrantes das forças de segurança que estiverem em serviço e, somente, quando forem expressamente autorizados ou convocados pela autoridade eleitoral competente.
A justificativa para essa medida – que também abrange todos os locais que tribunais e juízes eleitorais entenderem merecedores da proteção –, seria a de salvaguardar o exercício do sufrágio de eventuais ameaças. Para o ministro corregedor-geral da Justiça Eleitoral, sr. Mauro Campbell Marques, a decisão visa “dar um ponto a mais de tranquilidade, de apaziguamento ao eleitorado no momento das eleições”.
Entretanto, o porte de arma policial é direito fundamental inerente à natureza da profissão constitucionalmente elencada no artigo 144 da carta magna, onde aduz que “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” pelos órgãos policiais.
Não obstante, por obvio – dada a complexidade e periculosidade diuturna e iminente das atividades desenvolvidas pelos policiais –, o Estatuto do Desarmamento apregoa, em seu artigo 6°, que os integrantes de forças de segurança pública têm assegurados o porte de arma em todo o território nacional.
Todavia, uma interessante e crucial observação jurídica parece ter passado desapercebida aos olhos míopes de quem, lamentavelmente, desconhece as agruras experienciadas pelos bravos homens e mulheres policiais brasileiros: a figura “suis generis” do chamado “garantidor”.
Previsto no artigo 13, §2 do Código Penal, tal dispositivo prevê punição àquele que, tendo o dever legal de agir e podendo fazê-lo, se omite ante o acontecimento de um crime. É a chamada “relevância penal da omissão”; papel do “Garantidor” ou “Garante”.
“Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;” (Código Penal)
Ou seja, como um policial desarmado conseguirá agir se presenciar um roubo, homicídio ou latrocínio no local de votação? Basta, hipoteticamente, em tempos de polarização política acalorada beirando a insanidade, alguém estar munido de uma faca ou até arma de fogo no recinto. Afinal, quem fará a revista prévia para evitar tal cenário?
Reservada a ironia, o que dizer dos celulares que ficarão retidos – em uma verdadeira “vitrine convidativa” ao furto –, ante à vedação do eleitor portá-lo na cabine de votação? E a tal “boca de urna” estará “liberada” no perímetro de 100 (cem) metros dos locais de votação?
Nessa linha reflexiva, o policial não tendo meios para agir, – pois estava desarmado no local de votação –, teve de se omitir. Logo, não poderá ser responsabilizado pela “relevância penal da omissão”. E quem será, então? O mesário voluntário ou a “autoridade eleitoral competente” citada no terceiro parágrafo desse texto?
O fato é que a COBRAPOL, Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, impetrou um mandado de segurança coletivo preventivo. Enquanto aguardam o julgamento, os eleitores policiais seguem perplexos quanto à vedação ao seu porte de arma.
Tal celeuma expõe, talvez, muitas nuances que só os operadores da segurança pública – aqueles que sentem “o cheiro das ruas” –, experienciam: a criminalização da polícia e, agora, uma espécie de cerceamento da sua cidadania. Afinal, policial o é 24h por dia, 7 dias por semana; até quando vota.
Thiago de Miranda Coutinho é Jornalista e Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina há 10 anos, graduando em Direito pela Univali, Coautor de três livros sobre Direito e Autor de diversos artigos jurídicos reconhecidos nacionalmente. Instagram: @miranda.coutinho_
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