Em 2014, Joaquin Phoenix protagonizou Her, um filme futurista que relatava a vida de um homem adulto que se apaixonou pela voz de uma inteligência artificial, com quem posteriormente manteve um relacionamento. Mas essa realidade distópica e fictícia, que nunca imaginaríamos que pudesse acontecer, acabou tornando-se uma realidade inesperada em um contexto onde a rápida evolução das tecnologias nos surpreende e nos pega de surpresa, muitas vezes sem sabermos exatamente como reagir ou nos comportar diante dessa nova realidade cibernética.

Apesar de ainda não haver relatos reais de pessoas que se apaixonaram ou mantiveram relacionamentos com as vozes da inteligência artificial, como a Siri ou a Alexa, o que de fato se consolidou no nosso presente foi uma relação minimamente próxima e íntima do ser humano com as máquinas. Este pode ser apenas o começo de um futuro cada vez mais distópico. Porque hoje, com a existência do ChatGPT, uma learning machine potencialmente capaz de responder perguntas inteligentes, milhões de pessoas acabaram adquirindo o hábito de pedir sugestões às IAs para resolver certos aspectos particulares de suas vidas íntimas. Perguntas frequentes dirigidas ao ChatGPT como “o que posso fazer para lidar com o estresse diário?” ou “estou tendo problemas de relacionamento com meu parceiro, preciso de dicas para resolvê-lo” parecem ser uma tendência cada vez maior que levanta dúvidas sobre o grau de intimidade que compartilhamos com a inteligência artificial, pois tais perguntas se assemelham àquelas que um paciente faz a um terapeuta.

Dito isso, a pergunta que nos resta fazer é: será mesmo que vale a pena abrir nossas intimidades (entre elas, problemas pessoais) mais particulares com as máquinas de inteligência artificial, com a finalidade de resolver nossos problemas?

Máquinas, individualismo e solidão

Lembro-me muito bem de quando ainda não existiam os sistemas virtuais de comunicação (MSN, Facebook, WhatsApp), época em que as pessoas faziam chamadas telefônicas para se comunicar de voz para voz. Uma prática, sem dúvidas, tecnológica, mas que ao menos mantinha uma relação entre duas pessoas na base da intimidade, ao escutar a voz uma da outra. Porém, o uso cada vez mais notório dos sistemas de mensagens virtuais acabou gerando um novo hábito que, apesar de facilitar a comunicação, ao mesmo tempo distanciava as pessoas de uma comunicação real e verdadeira. Hoje em dia, preferimos que alguém nos envie mensagens de WhatsApp em vez de efetuar ligações para nossos telefones, o que evoca, sem dúvidas, um grau a mais de distanciamento. Se hoje tirássemos uma fotografia das estações de transporte público, observaríamos nela milhares de transeuntes hiperconectados às telas digitais, eliminando assim toda possibilidade de se comunicar com outras pessoas ao redor.

O perigo disso tudo reside na fácil “normalização” de certos hábitos adquiridos com as tecnologias, sem sequer nos darmos conta, e sem que haja tempo suficiente para uma reflexão crítica prévia que detenha novas formas de comportamento que, ao fim, trazem um individualismo cada vez mais crescente, acompanhado de um sentimento de solidão cada vez mais atenuante. Hábitos esses que, sem dúvida alguma, prejudicam as relações humanas.

As conversas que mantemos com o ChatGPT há pouco tempo, sem dúvidas, indicam uma nova etapa da história humana. Pela primeira vez, compartilhamos nossa intimidade com as máquinas, e muitos preferem recorrer a elas por sua capacidade de criar respostas mais adequadas, sem que elas nos julguem por nossas ações. Hoje em dia, evitamos o confronto e, muitas vezes, preferimos a voz de um chatbot, que é imediata e tranquila.

Pessoas que já se encontram distanciadas entre si pela “normalização” de certos hábitos com as tecnologias agora tendem a substituir relações íntimas entre duas pessoas por robôs. Essa tendência será cada vez maior com o passar dos anos.

Por fim, ressalto a importância da Filosofia e da reflexão crítica em nossas vidas, já que, a partir dela, nos permitimos formular perguntas fundamentais para evitar nos expor a certas condições externas que denigrem sutilmente nossas vidas. Abaixo formulo algumas perguntas para que o leitor possa respondê-la de acordo com a suas próprias considerações.

As relações com inteligências artificiais poderiam substituir gradualmente os vínculos humanos autênticos?

Que impacto teria a generalização do afeto por máquinas na estrutura da comunidade e da família?

Estamos criando tecnologias que satisfazem nossas carências emocionais ou que as ampliam?

O uso massivo de IA para companhia afetiva acentuaria a solidão estrutural das nossas sociedades?

Uma sociedade hiper- conectada por meios artificiais poderia carecer de verdadeiros laços sociais?

As relações humano-máquina promovem autonomia emocional ou criam uma dependência ainda mais profunda?