Governo do Estado entrou com recurso nesta sexta-feira (23) (Divulgação TRF4)

A Justiça Federal negou o pedido de liminar do Estado de Santa Catarina para que fosse suspenso o dispositivo da portaria conjunta dos ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que limitou em 1,1 mil toneladas a quantidade de tainhas para captura por arrasto de praia no litoral catarinense durante a safra deste ano. A 6ª Vara Federal de Florianópolis (Ambiental) entendeu que a normativa não contraria a Constituição ou as leis e também não viola direitos individuais ou coletivos.

“Em verificação inicial, firmo o entendimento de que a regulamentação (1) foi realizada pela autoridade competente, (2) por meio do instrumento adequado, (3) com base em análises técnicas e estudos disponíveis que constituem motivação idônea, (4) com o objetivo de possibilitar a continuidade da atividade pesqueira, importante para as comunidades tradicionais, (5) sem descuidar da imprescindível sustentabilidade da atividade e manutenção do estoque”, afirmou o juiz Charles Jacob Giacomini, em decisão proferida nesta quinta (22).

Segundo o juiz, “as medidas, em princípio, buscam evitar que se chegue à situação de ameaça de extinção da espécie e de proibição da sua captura, como já ocorre com outras espécies, estando em consonância com o interesse público e com o das próprias comunidades tradicionais, presentes e futuras”.

A Procuradoria do Estado havia alegado que a limitação seria discriminatória com SC, mas o juiz acolheu o argumento da Advocacia da União, de que “a modalidade de permissionamento de arrasto de praia está regulamentada apenas em Santa Catarina devido ao grande volume de embarcações que praticam a pesca e à importância desta modalidade para o Estado”. Giacomini observou ainda que “pela primeira vez também foram impostas cotas para as modalidades de emalhe de superfície e pesca no estuário da Lagoa dos Patos, esta última que ocorre especificamente no Rio Grande do Sul, o que, em análise preliminar, indica tratamento isonômico entre os diferentes tipos de permissionamento e Estados da federação”.

Para o juiz, a regulamentação federal atualmente vigente não impede ou inviabiliza a prática da pesca de arrasto de praia e não ofende a manifestação cultural dos membros das comunidades tradicionais catarinenses, pois não houve cessação do direito de pesca. “O limite estabelecido para 2025 corresponde à média do volume desta mesma modalidade de pesca (arrasto artesanal ou cerco de praia) realizada nos anos de 2017 a 2024, sendo até um pouco superior”, consignou.

Neste contexto, até mesmo a utilidade do provimento jurisdicional seria discutível, pois os limites estabelecidos para a pesca artesanal somente causarão impacto na atividade pesqueira na hipótese de ser alcançada, ao final da temporada, a marca de 1,1 mil toneladas de tainha efetivamente pescados – caso o total da pesca não alcance este volume, o debate travado neste processo terá sido essencialmente teórico, sem qualquer repercussão prática”, concluiu. Cabe recurso.

Governo do Estado contesta

O Governo do Estado informou que continuará analisando todas as medidas cabíveis, no âmbito técnico e jurídico, para assegurar que os direitos dos pescadores catarinenses sejam respeitados. Por meio da Secretaria Executiva da Aquicultura e Pesca (SAQ), contestou nesta sexta-feira (23) os fundamentos da Portaria Interministerial MPA/MMA nº 26/2025e irá recorrer novamente na Justiça pela sua derrubada.

De acordo com o Governo, uma análise técnica detalhada, baseada em documentos e estudos, incluindo a Nota Técnica SAQ/GAB Nº 002/2025, revela que informações cruciais podem ter sido omitidas ou apresentadas de forma incompleta pelos órgãos federais (Ministério da Pesca e Aquicultura e Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas) durante o processo que culminou na referida portaria e na subsequente decisão judicial que a manteve.

“O Governo do Estado não se furta a discutir medidas de ordenamento que visem a sustentabilidade, mas estas precisam ser justas, transparentes e além de garantir tratamento igualitário a todos os estados produtores”, afirma o Secretário Executivo da Aquicultura e Pesca, Tiago Bolan Frigo.

As principais inconsistências apontadas pelo corpo técnico do Estado e que questionam a razoabilidade e a isonomia da medida imposta são:

  • Alegação inverídica sobre a regulamentação do arrasto de praia em outros Estados: A justificativa federal de que o arrasto de praia só teria regulamentação federal em Santa Catarina – e por isso a cota seria exclusiva – não condiz com a realidade. A modalidade é regulamentada e praticada em outros estados da federação, como São Paulo (desde 2004, via Instrução Normativa IBAMA Nº 49/2004), que possuem capturas históricas significativas e não foram submetidos a cotas similares para o arrasto de praia. Esta omissão de informação compromete o princípio da isonomia, penalizando seletivamente os pescadores catarinenses.
  • Fragilidade extrema dos dados de estoque: A decisão de impor cotas baseia-se na suposta necessidade de proteger o estoque da tainha. No entanto, os dados utilizados pelos órgãos federais são classificados pela própria União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) como “Dados Insuficientes”. O Brasil, segundo o próprio MMA, trabalha com informações “precárias, insuficientes e fragmentadas há mais de 20 anos”. Adicionalmente, o Rendimento Máximo Sustentável (MSY) da tainha, segundo relatório da FAURG, aumentou 963 toneladas entre 2019 e 2023, e os próprios ministérios federais autorizaram um aumento da cota global para 2025, o que contradiz um cenário de sobrepesca crítica que justificaria medidas tão restritivas e localizadas.
  • Disparidade flagrante no monitoramento e fiscalização: A eficácia de um sistema de cotas é diretamente dependente de um monitoramento rigoroso e equânime. Observa-se, contudo, uma disparidade inaceitável: enquanto os pescadores catarinenses são obrigados a reportar capturas em tempo real, no Rio Grande do Sul, por exemplo, os dados são submetidos manualmente apenas ao final da safra. Tal assimetria no controle invalida qualquer alegação de tratamento isonômico e compromete a efetividade da gestão do recurso em nível nacional.
  • Ausência de participação dos pescadores catarinenses: Conforme destacado pela SAQ/SC, os pescadores de arrasto de praia de Santa Catarina não foram devidamente consultados ou envolvidos em reuniões específicas para discutir a implantação de cotas para sua modalidade. A ausência de diálogo com os principais afetados fragiliza a legitimidade de qualquer medida imposta.