Millôr Fernandes. Instituto Moreira Salles.
Luiz Fernando Veríssimo. Brasil de Fato
Cartaz do Prêmio Cruz e Sousa com desenho de Cecilia Meirelles

Arquivo Público de SC: Governador Jorge Bornhausen na entrega dos prêmios do Concurso Nacional de Poesia (Prêmio Cruz e Sousa), no Teatro Álvaro de Carvalho, Prêmio para Autor Catarinense – “As paredes do mundo”, de Osmar Pisani.

Quando Jorge era governador do Estado e eu atuava como secretário-adjunto do Planejamento, estive envolvido com assuntos culturais aos quais Jorge dedicava especial atenção. Ajudei, por exemplo, na organização do Prêmio Cruz e Sousa, nessa ocasião dedicado à poesia. Este fato, aliado, talvez, à circunstância de que sou gaúcho de nascimento, motivou o governador a me indicar como um dos representantes de Santa Catarina em evento patrocinado pelo Grupo Habitasul, no hotel Laje de Pedra, em Canela, RS. A empresa de Péricles Druck, dona do hotel, tinha um grande empreendimento imobiliário em Jurerê, Florianópolis. E investia bastante em cultura.

Reunião literária no Laje de Pedra

Antigo Hotel Laje de Pedra, da Habitasul

Naquele momento, final da década de 1970, início dos 1980, a Habitasul patrocinou uma celebração que, para divulgar o espetacular hotel recém-aberto, foi realizada em Canela. Tratava-se da premiação de um concurso literário feito em parceria com a Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul. Durante um fim de semana, escritores, editores, gente da imprensa e dos governos do Sul, ficariam lá hospedados, participando de reuniões e mesas de debates, palestras, apresentação de novos livros, comentários dos autores sobre eles, sessões de autógrafos e, ao final, a entrega dos prêmios.

Então, lá fui eu. E tive a regalia de conviver com escritores e intelectuais de diversos Estados. Alguns deles eram celebridades por quem eu tinha grande admiração. Por exemplo, dois dos maiores expoentes da inteligência no Brasil: Luiz Fernando Veríssimo e Millôr Fernandes.

Dançando ao som do sax de Veríssimo

Eu não conhecia Veríssimo pessoalmente. Só de certa forma. Nunca tinha falado com ele, mas já o tinha visto e ouvido muitas vezes quando eu, estudante em Porto Alegre, dançava nos bailes do “Salão da Reitoria” (sim, havia grandes festas dentro da Universidade Federal do RS) em que a banda na qual ele tocava era contratada para animar. Veríssimo era o saxofonista do “Renato e seu Conjunto”. E continuou soprando seu instrumento, mais tarde na sua própria banda, o “Jazz 6”, quando já tinha inventado o “Analista de Bagé” e se tornado um dos maiores fenômenos de vendas da literatura brasileira. Pois Luiz Fernando Veríssimo foi um dos astros que encontrei em Canela e com quem, nas noites de ócio e alguns drinques, acabei enturmando.

Luiz Fernando e sua quietude, Millôr e sua verve

O evento todo foi bem-organizado e bastante intenso. Havia, ainda assim, tempo para conversar, tomar uns drinques, e até para jogar sinuca – programação essa que entrava noite à dentro. Acabei construindo ali uma efêmera amizade com Veríssimo e com Millôr. Com o gaúcho era muito difícil, quase impossível, conversar. Talvez devido ao ruído reinante no bar do hotel, ou, adicionalmente, pela própria lendária timidez de Veríssimo, ele praticamente só abria a boca para tomar mais um gole da sua bebida. Não falava. Consta que seu bico calado tem alguma coisa a ver com a imensidão da sombra de seu pai.

O carioquíssimo Millôr, brilhante humorista, desenhista, escritor, teatrólogo, era o oposto. Somava a erudição e precisa informação dos fatos a uma exuberante capacidade de falar. Sua conversa era espirituosa e inteligente, e as eventuais respostas a quem, inadvertidamente, o questionava, eram cortantes, implacáveis. Acho que essas características do nosso ocasional amigo também estimularam a quietude de Veríssimo.

Jogando sinuca com os dois

Uma competição de duplas foi inventada meio na brincadeira, já tarde da noite, e foi capturando atenções à medida que as etapas se sucediam e algumas das parelhas iam se destacando. O horário e o local dos enfrentamentos eram muito apropriados aos hábitos noturnos dos atletas: começava pelas 23h, no porão do hotel, terminava bem depois da meia-noite. Eu estava emparceirado com Millôr Fernandes, vejam só. Chegamos à semifinal contra Veríssimo, em dupla com o escritor gaúcho Josué Guimarães que morava ali perto, no condomínio do mesmo Laje de Pedra. E fui, para minha imensa glória, vencedor da final e do campeonato, tendo como companheiro Millôr Fernandes!

A prova dos fatos

Para quem, porventura, possa duvidar dessa narrativa, segue, na ilustração abaixo, a dedicatória com que Millôr homenageou nossa parceria.

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