Vintage engraving from 1878 showing a view of Singapore looking Seawards

Singapura, o milagre e o rigor com o crime

Muito tempo atrás estive em Singapura, que significa “Cidade do Leão”. Esta Cidade-Estado é um fenômeno. Em 60 anos, passou de uma pequena e pouco conhecida ilha de pescadores para um dos lugares mais desenvolvidos do mundo. O autor dessa extraordinária transformação foi Lee Kuan Yewarrolado pelo ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, no seu último livro, “Liderança – Seis Estudos sobre Estratégia”, como um dos maiores estadistas da história mundial.

Uma das coisas que me impressionou bastante nessa jornada foi algo que ouvi pouco antes do avião da Singapore Airlines ter pousado. Uma das aeromoças deu, pelo alto-falante, uma séria advertência: naquele país qualquer ação associada às drogas é punida com rigor. O tráfico é sujeito à pena de morte, e o uso pessoal é um delito grave punido com prisão e com chibatadas. Isso mesmo: o portador de qualquer quantidade de maconha, por exemplo, vai para a cadeia e ainda receberá um certo número de vergastadas na bunda.

Nesse lugar, só em 2022, onze condenados por atividades ligadas ao tráfico de substâncias entorpecentes foram enforcados. 

A Singapura das chibatas

Observação: “cane” significa vara, chibata, bastão, bengala.   

Sem exagero: não se atreva nem mesmo a jogar um chiclete no chão, em alguma rua de Singapura, porque a consequência pode ser um par de chibatadas, castigo que vale hoje para cerca de quarenta delitos. Ele é usado pelo seu poder de intimidação e também porque permite reduzir drasticamente a população carcerária. Em diversos casos, o sujeito é preso, leva a sova no traseiro e é liberado. Parece que, pelo menos lá, a chance dessa criatura voltar a delinquir é bem menor do que se tivesse ficado na prisão durante meses ou anos. E o corretivo é praticado com ciência e método. O açoitamento é disciplinado por lei, o açoitador é alguém preparado para essa atividade, e o aparelho em que o sujeito é imobilizado obedece a um padrão técnico.  

Algumas organizações internacionais, como a Human Rights Watch volta e meia denunciam esse tipo de castigo porque, no seu entendimento, se equipara a atos de tortura. Mas, em Singapura, um Porta voz do Ministério Público declarou que “as chibatadas são realizadas sob normas rígidas, com a supervisão de um médico”. 

Seja como for, e sem entrar no mérito dos procedimentos usados para manter a ordem em um país que dista 16 mil quilômetros daqui, e que tem uma história e uma cultura ainda mais distantes, fica a observação de que, lá, a criminalidade foi reduzida a praticamente zero. 

Japão, Singapura, Brasil

Na coluna anterior relatei experiências relativas à segurança pública em um lugar onde praticamente não existe problema nessa área: o Japão. Nesse país antípoda do Brasil, a proteção das pessoas é assegurada por um fator cultural: a honestidade e a honra são valores entranhados na mentalidade dos cidadãos. Já em Singapura, a intolerância radical dos governantes em relação ao crime, e a inflexibilidade dos castigos, garantem a ordem. 

Meu pai em São Paulo

São Paulo, anos 1970. Foto Veja.

Sem a pretensão de comparar países com tais enormes diferenças em relação ao nosso, passo a relatar um caso acontecido comigo nos anos 70, em São Paulo. Nessa época, fazia meu Mestrado, lecionava em duas faculdades de Direito, dirigia um Centro de Estudos do Desenvolvimento, e fazia palestras pelo País.

Um dia, meu pai, já idoso, viajou de Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul, para me visitar. Logo no dia seguinte à chegada, ele, contrariando minhas recomendações, resolveu dar uma volta no Centro para recordar os tempos em que tratava da venda de arroz com dirigentes de supermercados e atacadistas em São Paulo. 

Já era quase final da tarde quando a portaria do prédio em que eu morava, avisou que um rapaz chegou lá, dizendo que estava de posse de alguns documentos e de anotações em que constava meu nome e endereço. E queria falar comigo. Desci e o fulano disse que havia encontrado uma carteira caída na rua, “onde não havia dinheiro”, mas tinha os tais documentos e anotações. Ele achou que eu desejaria reaver os documentos. Sim, claro, disse eu, e gratifiquei o portador. 

Mais tarde, quando meu pai apareceu no apartamento, logo perguntei: “ô Pai, tu foste assaltado na rua”? “Ué, respondeu ele, como é que tu sabes?” Ao que eu retruquei: “porque há pouco dei uma gorjeta para o ladrão”.  

(Imagem Pixabay)

Próxima coluna

     No comentário a seguir, vou narrar uma divertida experiência no Japão, vivida pelo jornalista Marcos Sá Correia, e que me foi contada pessoalmente por ele.