O lado divertido da administração pública (I)
Comentário anterior.:
Na semana passada relatei as consequências do desentendimento de Jorge Bornhausen e Esperidião Amin nos meus planos pessoais. Jorge pretendia ter a adesão total de quem, até então, estava no PDS catarinense. E tinha recebido, a certa altura, aceno de Amin no sentido de que também ele embarcaria no novo projeto. Este, porém, mudou de ideia e permaneceu no partido já consolidado, em uma posição mais confortável do que até então: aproveitando a transferência de Jorge para o PFL, ficaria como comandante único da legenda no Estado. Amin, de quem eu era Secretário da Administração naquele momento, queria que eu ficasse no cargo e no PDS; Jorge contava comigo no PFL. Decidi sair da Secretaria, não me filiei ao PFL, e fui para Blumenau começar vida nova lá.
Pausa para o recreio
Conforme anunciei na coluna anterior, abro hoje um intervalo nos assuntos sérios e postos em ordem cronológica (que continuarão mais adiante), para relatar episódios mais leves e divertidos e que não seguem necessariamente a sequência de datas em que aconteceram. Passo, então, a resgatar nesta e em algumas próximas colunas, esses fatos fora da curva, verídicos, ocorridos em Santa Catarina e em outros lugares.
Estado de imigrantes
Estávamos dentro de um desses pequenos aviões que governos costumam ter para deslocamento de membros da administração estadual. Dentro do aeroplano viajavam o Governador Jorge Bornhausen, o Senador Lenoir Vargas Ferreira, o Secretário dos Negócios do Oeste João Valvite Paganella e eu que era Secretário-Adjunto do Planejamento. Jorge fora convidado pelo Presidente da República João Figueiredo para o encontro que ele teria com o Presidente argentino Jorge Rafael Videla na fronteira dos dois países, nos limites, a Oeste, do solo catarinense. E o Governador nos levou como membros da comitiva.
Secretário Paganella (foto Câmara Deputados) e Senador Lenoir, (Arquivo Público SC). Dois gaúchos.
Eu era o novato da turma, tanto no Governo como no Estado de Santa Catarina. Meio que recém-chegado. Então, pelas tantas, Paganella perguntou onde eu havia nascido. Informado de que era originário de Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul, ele comentou que, por coincidência, também era gaúcho, da localidade de Esmeralda. “Pô, dois rio-grandenses a bordo!” exclamei eu. E aí o Senador Lenoir interviu para informar que, na verdade, a gauchada somava três membros: ele era oriundo de Tupanciretã.
Fiz então o comentário do mal-informado: “bem, temos pelo menos um catarinense neste avião: o governador, não é mesmo”? Ao que Jorge levantou o dedo e esclareceu que nem ele próprio era, tecnicamente, um catarinense: não havia nascido no Estado, mas sim, por circunstâncias da vida, no Rio de Janeiro. Ele é carioca.
Portanto, na comitiva de Santa Catarina que se dirigia a um importante evento internacional, não havia nem um catarinense.
Amin e sua proverbial irreverência
No primeiro mandato, não sei se até hoje, o Governador Esperidião Amin era conhecido pela sua divertida falta de reverência. Brincava com tudo, inclusive com coisas e com pessoas sérias. Entrava em alguma festa no Interior do Estado e ia de roda em roda, de conhecidos ou desconhecidos, fazendo piada com a barriga de um, com a altura de outro, e com o excesso ou falta de cabelos de uns e outros, inclusive dele próprio. Esse era jeito Esperidião de ser. Fazia parte da sua personalidade e do seu sucesso político.
Amin no cerimonioso Japão
Em certa ocasião, Amin empreendeu uma viagem ao Japão para encontro com autoridades públicas e empresariais. Na época ele tinha no seu gabinete um assessor nipônico (de nascimento, talvez, ou apenas de origem, mas, de qualquer forma, fluente na língua japonesa). E este auxiliar acompanhou o governador na viagem, servindo-lhe de intérprete.
No retorno da jornada, encontrei o tal assessor. Perguntei então, como ele tinha se virado para conciliar o espírito reverente dos japoneses com a proverbial informalidade do nosso governador. Pedi que ele me contasse como é que os japoneses, habitualmente tão sisudos, tinham encarado as brincadeiras às vezes inconvenientes de Amin. E o intérprete me respondeu que, quando Amin soltava uma de suas inoportunas piadas, ele simplesmente não traduzia aquilo para os japoneses, falava outra coisa. Em algumas ocasiões, contou-me ele, Esperidião ficava intrigado pelo fato de que alguns de seus gracejos, supostamente espirituosos, não produziam efeito algum naqueles nipônicos.
Intérprete, tradutor, ator
Eis aí o caso de um tradutor que fazia jus à má fama que os italianos (inspirados em história muito antiga) atribuem aos que exercem esse ofício: “traduttore, traditore” (tradutor, traidor). Neste caso que relatei, o assessor de Amin foi, realmente, um “traditore” no sentido de que a palavra intérprete significa “tradutor” (a pessoa que faz a versão de alguma fala ou texto de um idioma para outro), algo que deve ser executado ao pé da letra.
A palavra intérprete, entretanto, significa também “ator” (de um filme, uma encenação teatral, uma novela). E neste sentido, a interpretação será tanto melhor quanto mais fielmente ele reproduzir a essência do papel requerido na ocasião. Naquele momento específico certamente era esperado, do personagem Esperidião Amin, uma grande habilidade diplomática. Seu assistente japonês falhou como tradutor, mas brilhou como ator.
Próximo capítulo:
Sem contar com o diplomático intérprete nipônico na comitiva, o Governador Amin viu-se num enrosco danado, numa viagem à Alemanha.
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