Evasão e sonegação fiscal na reforma tributária: implicações penais no contexto tributário brasileiro
Constituindo temas centrais no Direito Penal Econômico e Tributário em nosso país, a evasão fiscal e a sonegação de impostos representam desafios constantes para o fisco e, consequentemente, para o Poder Judiciário.
Sabidamente, suas implicações penais neste cenário têm se tornado cada vez mais complexas e rigorosas, especialmente em face do crescente investimento estatal em mecanismos de fiscalização e de combate aos crimes tributários.
Por isso, condutas que envolvam fraudes, omissão de informações e manipulações contábeis para a diminuição de tributos, são tratadas com rigor penal em uma tentativa de reduzir o impacto econômico dessas práticas no orçamento público.
Não obstante, tamanha atuação penal é crucial para desestimular práticas que prejudicam o sistema tributário e que venham a enfraquecer a arrecadação; essencial para a implementação de políticas públicas.
Outrossim, é preciso pontuar que a responsabilidade penal recai não apenas sobre as pessoas jurídicas que praticam atos ilícitos, mas também sobre os gestores e administradores que desempenham papel ativo na gestão empresarial.
Esse enfoque torna os líderes empresariais vulneráveis a acusações criminais quando detectada a intenção deliberada de burlar o sistema tributário, situação que reforça a importância de um comportamento ético e de conformidade nas práticas corporativas.
Fato que, com o avanço das tecnologias de monitoramento, cruzamento de dados entre órgãos fiscais e a produção de conhecimento de inteligência sobre a matéria, tornou a detecção de irregularidades mais precisa, aumentando significativamente a probabilidade de responsabilização penal àqueles envolvidos em práticas ilícitas.
Sendo assim, a gestão empresarial moderna exige uma postura proativa de mitigação de riscos, não apenas em termos de conformidade com obrigações fiscais, mas também em uma consciência ampliada das consequências penais que podem afetar a reputação e a sustentabilidade do negócio. Logo, a atuação preventiva e uma cultura de integridade nas empresas são, hoje, pilares fundamentais para uma operação segura e em alinhamento com as normativas penais.
Toda essa discussão ganhou fôlego com as propostas recentes de reforma tributária, que visam simplificar e unificar o sistema tributário. Notadamente, tais alterações trazem impactos não apenas na arrecadação, mas também na tipificação e fiscalização dos crimes fiscais.
No que tange a evasão fiscal por exemplo, essa é uma prática atinente à busca por burlar a legislação tributária a fim de reduzir o montante de impostos devidos. Conforme ensina o mestre, Hugo de Brito Machado, a evasão fiscal pode ser dividida em “elusão fiscal” e “sonegação fiscal”.
Enquanto a primeira (elusão) envolve o planejamento tributário utilizado por empresas – aproveitando-se de lacunas ou ambiguidades na legislação para reduzir ou evitar o pagamento de impostos devidos –, a segunda (sonegação) é a prática ilícita de fraudar o fisco mediante omissão, ocultação ou alteração de dados.
No Brasil, a sonegação é tipificada no artigo 1º da Lei nº 8.137/1990, sendo considerada crime contra a ordem tributária, com pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa.
“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.”
Vale ressaltar que a distinção entre planejamento tributário e sonegação é, muitas vezes, tênue e depende da análise do caso concreto. É importante, como ressalta Roque Antonio Carrazza, que o planejamento seja legítimo, respeitando a “realidade substancial” das operações. Caso contrário, ele pode ser interpretado como um abuso de forma, configurando a prática criminosa de sonegação.
Nessa esteira, a proposta de reforma tributária é vista como um passo importante para reduzir a carga burocrática e diminuir os incentivos à evasão fiscal. Afinal, uma estrutura simplificada pode facilitar a identificação e o combate aos crimes fiscais, tornando mais evidente a prática da sonegação e contribuindo para uma maior clareza no entendimento da legislação tributária.
Apregoando tal entendimento, Fernando Facury Scaff, Sérgio André Rocha e Gustavo Lanna Murici ensinam que a simplificação do sistema tributário pode reduzir o uso de brechas legais, dificultando práticas abusivas de elusão e, assim, permitindo uma fiscalização mais ágil e eficiente. Todavia, essa mesma simplificação exige cuidado na transição de regimes tributários e na adaptação dos sistemas de fiscalização, para evitar insegurança jurídica que pode favorecer práticas ilícitas temporárias ou eventuais.
Por isso, o Direito Penal cumpre um papel “fiscalizador” no contexto tributário. Função essa, que apesar de essencial na repressão da sonegação fiscal, deve ser utilizada como último recurso. Isso, porque as reformas tributárias, ao simplificar o sistema, têm o potencial de reduzir a incidência de condutas que, na prática, poderiam ser interpretadas como sonegação devido a ambiguidade legislativa. Em contrapartida, a fiscalização deve ser aprimorada para garantir que as novas normas tributárias sejam observadas.
Já em termos de jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia extingue a punibilidade, conforme previsto no artigo 9º da Lei nº 10.684/2003.
“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”
Logo, ainda que haja indícios de sonegação, esse entendimento busca estimular o contribuinte a regularizar sua situação fiscal, evitando, assim, a judicialização desnecessária. Entretanto, a jurisprudência também ressalta a necessidade de um controle rígido sobre as práticas de evasão, sem comprometer os direitos dos contribuintes.
Desta feita, a reforma tributária apresenta uma boa oportunidade de modernizar o sistema fiscal e reduzir as práticas de evasão e sonegação no Brasil, permitindo um horizonte em que o Direito Penal Econômico e o Direito Tributário caminhem juntos na proteção dos interesses da sociedade e no fortalecimento da fiscalização tributária, garantindo que os crimes contra a ordem tributária sejam combatidos de forma eficiente.
Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo, Direito e pós-graduado em Inteligência Criminal. Escritor e co-autor de livros é articulista nos principais veículos jurídicos do país, integrante do corpo docente de Academia da Polícia Civil de SC (Acadepol), palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc). No ano de 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz e, em 2023, recebeu Moção de Aplauso da Alesc. Recentemente, ganhou destaque nacional por ser o autor da sugestão legislativa de propositura de Projeto de Lei (apoiada pelo Conselho Federal da OAB em 2022), que visa incluir no Código Penal, qualificadoras a crimes praticados contra Advogados no exercício da função (PL 212/2024). Instagram: @miranda.coutinho_
Referências:
BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Dispõe sobre crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm>.
BRASIL. Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003. Dispõe sobre o parcelamento de débitos para com a Fazenda Nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 maio 2003. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.684.htm>.
CARAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros Editores, 2020.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2021.
SCAFF, Fernando Facury; ROCHA, Sérgio André; MURICI, Gustavo Lanna. Interseções entre o Direito Financeiro e o Direito Tributário. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021.
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