A Administração dos recursos humanos e das coisas públicas: o desafio da modernidade (II).
O primeiro impacto que o estilo de Esperidião Amin me causou foi na fase de transição – aquele período que vai da eleição até a posse. Vitorioso em 15 de novembro de 1982, o Governador Eleito teve de esperar até 15 de março do ano seguinte para iniciar seu mandato. Nesse período comandou um agitado e desorganizado escritório em Florianópolis. Muita gente entrando e saindo, alguns deles, como o empresário Ivo Hering, de Blumenau, sem nunca ter compreendido por qual razão foi tão insistentemente convidado a lá comparecer.
A confusão levada para o Governo.
Quando eu fiz, em uma coluna anterior, a comparação dos estilos de agir e de governar de Jorge Bornhausen e Henrique Córdova, mencionei o rigor do primeiro com a pontualidade. Os despachos dos secretários com Governador começavam e terminavam exatamente nos horários pré-determinados. Nesse primeiro governo de Amin praticamente não havia horários. Nunca se sabia ao certo quando esses encontros administrativos começariam e, muito menos, quando terminariam.
O mais extraordinário despacho da minha vida.
No primeiro dia em que o Governador começou sua rotina de despachos, fui o primeiro Secretário a se encontrar com ele. A assessoria do Chefe informou que eu deveria estar lá às oito horas da manhã. E neste horário, pontualmente, fui conduzido ao posto de trabalho do Governador – a cabeceira de uma longa mesa de reuniões. Sobraçando uma volumosa pasta de atos a serem assinados por ele e uma relação, igualmente vasta, de medidas administrativas e políticas a serem tomadas, sentei-me no lugar apropriado, na lateral da mesa, junto ao lugar do Governador à cabeceira. E preparei-me para começar meu trabalho. Ele, no entanto, ao entrar no recinto, teve de cumprimentar diversas pessoas que já esperavam lá dentro. Finalmente, quando sentou-se à mesa, a secretária lhe transferiu ligação telefônica de uma rádio de Rio Grande do Sul que queria entrevistá-lo. E lá se foram uns vinte minutos de animada conversa com o jornalista.
Começou então o despacho. Conversamos uns cinco minutos, enquanto outros secretários e assessores iam chegando e se alojavam ao longo da mesma mesa. Mais uns poucos instantes de atenção do Governador e aconteceu o ápice do espetáculo matinal: entraram na sala diversos componentes de uma Escola de Samba com seu estandarte, pandeiros, tamborins e cuicas. Estimulados pelo alegre Esperidião, passaram a sambar em pleno Gabinete do Governador.
Ao final, após mais dois ou três minutos de concentração no meu despacho, Amin falou em tom jocoso de repreensão: “pô, Paulo, você já está despachando aqui há duas horas, preciso atender os demais secretários”. Ao que eu respondi: “duas horas de despacho bruto, Governador; e dez minutos de despacho líquido”.
O “prestígio” do Secretário da Administração.
No dia seguinte, um dos atentos colunistas políticos da época comentou que o Secretário Paulo Gouvêa por certo era um dos homens fortes do Governo: logo no primeiro dia dos despachos administrativos Amin tinha conversado duas horas com ele.
A Era pós discoteca.
Se havia na Ilha o entendimento de que a transição de Antônio Carlos Konder Reis para seu primo Jorge Konder Bornhausen significava que “havia saído a opereta e entrado a discoteca”, de Jorge para Amin foi a passagem da discoteca para as marchinhas de carnaval.
A suposta força do Vice-Governador.
Outra boa amostra do modelo esperidiônico de governar foi um diálogo que presenciei, semanas depois, na sala de trabalho do Vice-Governador, o empresário Victor Fontana. Eu estava lá trocando ideias com ele, que era meu vizinho. A Secretaria da Administração e o Gabinete do Vice se localizavam no mesmo “Edifício das Diretorias”, bem no Centro da Capital.
Fomos interrompidos pela comitiva de uma cidade do Interior, acompanhada de um Deputado Estadual. Queriam resolver a liberação de uma verba estadual que estava parada na assessoria de Amin. Tendo havido uma certa relutância de Fontana para intermediar a questão devido, segundo ele, à dificuldade da interferência, o Deputado presente disse que, certamente, o Vice teria sucesso na empreitada porque era notório que o Governador “o ouvia muito”. Então Fontana respondeu: “sim, ele me ouve, mas, não escuta”.
Próximo capítulo.
Na semana que vem começarei com o tema “A enchente e o Governador”, relatando a ação de Esperidião Amin nas cheias de 1983, trabalho que, pouco tempo mais tarde o elevou à condição de celebridade nacional. E vou contar como foi que o Secretário de Administração teve algum papel no socorro que Santa Catarina recebeu para combater os efeitos da enchente.
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