Há pouco mais de dois anos, tive a oportunidade de realizar uma sustentação oral perante a diretoria colegiada da ANTT. Atuando em nome da Associação dos Servidores da Agência (ASEANTT), defendi a regularidade de uma audiência pública. Meses antes, em um dos momentos mais constrangedores da história da regulação estatal, o diretor-geral da ANTT utilizaria o voto de minerva (após “fabricar” a vacância de uma vaga da diretoria) para rejeitar uma proposta normativa que consolidaria a abertura de mercado do setor de transporte rodoviário de passageiros.

Passados dois anos, voltei a ser procurado por um servidor da Agência, desta vez, não para defender, mas para contestar a legalidade de uma audiência pública, na qual foi aprovada a norma que atende aos interesses de uma oligarquia privada sobre o transporte rodoviário de passageiros. Para atender a essa pequena oligarquia política e econômica, responsável pela escolha dos diretores da ANTT, a Agência fraudou uma audiência pública, deixando de responder a dezenas de questionamentos e críticas que demonstravam a fragilidade técnica da proposta normativa em discussão. Estamos diante de um exemplo clássico de captura do regulador por interesses privados, para que o transporte de passageiros mantenha sua natureza feudal.

Por ocasião da sustentação oral, referi-me à Noite da Agonia da Regulação, em alusão à dissolução da Assembleia Constituinte de 1823. Acompanhando as notícias sobre a atuação da ANTT nesse período, a analogia com o ocorrido no século XIX não poderia ser mais adequada, infelizmente. Técnicos foram exonerados de seus cargos e outros afastados de suas funções, além de coagidos moral e institucionalmente, por exercerem o papel de técnicos. A ANTT tenta sufocar o pensamento dissonante, criando uma falsa impressão de uniformidade técnica, tão vazia quanto o interesse público por trás dos movimentos da Agência para impedir a competição no setor de transporte rodoviário de passageiros.

Não satisfeita em impedir qualquer tipo de dialética de seu qualificado corpo de servidores no exercício de suas funções públicas, a ANTT editou recentemente um Código de Ética que proíbe servidores de divulgar ou realizar publicações, postagens ou comentários em redes sociais que possam desagradar os diretores da autarquia.

Conforme noticiado pela imprensa, que vem jogando luz sobre essa norma, absolutamente inconstitucional, um servidor da ANTT já foi exonerado por publicar um texto crítico ao Código de Ética. Recentemente, soubemos que a ANTT tem sido incapaz de entregar e integrar sistemas de informação que permitiriam um tímido incremento concorrencial, postergando cronogramas e adiando as janelas em que seriam ofertadas vagas para o sorteio de mercados. Além da irrefreável intenção de calar vozes contrárias, agora sabemos que na interminável Noite da Agonia da Regulação, para além da captura, existe a incompetência, sob as vestes de inércia conveniente.