Santa Catarina de 1979 a 1982. A Era Jorge Bornhausen (VIII – final).
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Minha experiência como Secretário da Educação foi relativamente curta, não passou de um ano. Mas, tive o privilégio de trabalhar nessa área, tão estratégica para a vida das pessoas, sob dois governadores. Comecei com Jorge Bornhausen que, quando renunciou para concorrer ao Senado, seguiu o roteiro traçado meses antes, me passando para Henrique Córdova, o Vice que se tornou Governador. Nessa época tive, então, a oportunidade de conviver com dois estilos de comando bem diferentes, devido às peculiaridades de temperamento, estilo de trabalho, modo de operar, de cada um. Foi uma experiência muito gratificante.
Dois Governadores, dois estilos.
Considerando apenas as disparidades que observei mais de perto – nos despachos administrativos que os governadores costumavam ter semanalmente com os Secretários – ficou evidente, de um lado, a formalidade, a objetividade e o detalhismo de Jorge, e, de outro, o informalismo e a pouca preocupação com as minúcias da parte de Henrique. Mas, houve exceção a estas regras de comportamento.
Jorge, o meticuloso.
O Governador Bornhausen era meticuloso em três aspectos. O horário era imperativo: se o despacho estivesse marcado para as 8 da manhã, a esta hora, em geral sem minuto a mais ou a menos, a porta do Gabinete se abria, a secretária vinha me chamar na sala de espera e o Governador estava esperando. A duração prevista, quase sempre de 30 minutos, era minuciosa, e, para manter essa regra, não atendia telefonemas durante a conversa que desenvolvia com o Secretário. Ele reservava alguns minutos, no intervalo entre um e outro despacho ou audiência, para retornar telefonemas anotados pelas zelosas secretárias. E Jorge, no exame de cada assunto que lhe era levado, ia a fundo na questão, indagava, examinava, até tomar sua decisão, orientar um assunto ou assinar um documento.
Jorge de bom humor.
O temperamento “oficial” de Jorge Bornhausen era do tipo circunspecto, cônscio da importância dos cargos que exerceu. Mas, todos que o conheceram mais de perto, em momentos de descontração, sabem que ele sempre foi divertido e brincalhão. Eu nunca estive nem próximo da categoria de seu “amigo íntimo”. Mas, no tempo em que trabalhei em seu Governo, ouvi dele, em dias de muito bom humor, algumas passagens bem divertidas. Uma delas ocorreu durante despacho do Secretário da Educação que me antecedeu.
Jorge contou que, certo dia, Nercolini lhe falou que teria de demitir um funcionário de certa Coordenação Regional da Educação lá do Oeste. O tal servidor, embora solteiro, já tinha mais de sessenta anos e estava de namoro com uma linda colega de trabalho de apenas 19 anos. Havia um certo clima de escândalo na Regional e o então Secretário decidiu exonerá-lo. O Governador então indagou: “Você me diz que o homem é sexagenário, pegou uma garota bonita de 19, e quer demiti-lo? Você está doido, Nercolini! Você tem é que promover esse cara!”
Henrique, o homem que confiava, mas, não em todos.
Henrique, sob o aspecto do detalhismo, era bem diferente. Muito mais que Jorge, ele era um ser político, e não deixaria um deputado, por exemplo, esperar retorno de um telefonema só para manter fluido seu compromisso administrativo. Também quanto à atenção que dava a cada reunião de trabalho, ele diferia muito de seu antecessor. Era corriqueiro que eu, sentado já à mesa do despacho, sobraçando minha sempre volumosa pasta de assuntos a serem tratados, ficasse esperando um longo tempo enquanto Henrique concluía a observação de documentos de outro Secretário que, para ganhar tempo, deixava seus papéis lá para que o Governador os lesse quando tivesse tempo.
Uma peculiaridade de Henrique Córdova era sua escassa disposição para os detalhes das questões administrativas. Especialmente quando o assunto era muito complexo e exigia uma decisão a curto prazo, ele me dizia que, sendo eu o Secretário, tinha a sua confiança, e perguntava então como aquele assunto devia ser resolvido. Eu dava minha opinião, mas observava que ele, o Governador, é quem deveria assinar tal documento. A responsabilidade da decisão, portanto, era dele. Córdova então pegava o papel e, sem ler, botava sua assinatura em baixo.
Em um desses despachos em que tive de esperar enquanto Henrique examinava a pasta de despachos de outro Secretário, observei ele, passando, rapidamente, pelos documentos que ali estavam. De súbito, retirou um dos papéis e, enquanto dizia “meu Deus!”, olhou-me com ar de espanto, dizendo: “você não imagina, Paulo, em que encrencas certas pessoas podem me colocar”.
Próximo capítulo.
Na semana que vem relatarei minhas viagens dentro do sistema, já implantado com sucesso, da descentralização administrativa através das UCREs, as Unidades de Coordenação Regional da Educação. Em Joaçaba fui surpreendido pela diluviana enchente de 1983.
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