Santa Catarina de 1979 a 1982. A Era Jorge Bornhausen (V).
Prólogo.
O ano de 1982 começou e seguiu com o ritmo e as apreensões do embate eleitoral. Pela primeira vez, desde o advento do regime militar, os governadores de Estado seriam eleitos por voto direto. O Governador Jorge Bornhausen, do PDS, tentava definir o candidato capaz de derrotar o combativo Senador Jaison Barreto, provável nome do PMDB, e capaz, também, de ajudar, como companheiro de chapa, o próprio Jorge a se eleger para o Senado, vencendo a disputa, muito difícil, com o respeitado Deputado Pedro Ivo Campos.
A lista de possíveis concorrentes do partido da situação ao Governo se afunilou em dois nomes: o ex-Governador Antônio Carlos Konder Reis e o ex-Prefeito de Florianópolis Esperidião Amin. Pesquisas internas do PDS mostravam que Amin, claramente, tinha mais chance de ser vitorioso. Ele recebeu o apoio da quase totalidade dos deputados federais e estaduais do partido. Konder Reis, porém, tinha prestígio, gozava da simpatia do Governo Federal, e persistia em seu desejo de voltar ao Governo do Estado.
O dilema do Governador e a missão sigilosa.
O então Chefe da Casa Civil da Presidência, Professor João Leitão de Abreu, era considerado, já desde o período anterior, de Emilio Garrastazu Médici, o Ministro mais importante do Governo. Na área econômica, quem mandava era o Ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto. Mas, nas áreas política, administrativa e jurídica, o todo-poderoso era Leitão de Abreu. Nesta época, ele já tinha sido também Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em artigo na Folha de S. Paulo, em 2007, o jornalista Elio Gaspari manifestou a opinião de que Leitão de Abreu foi o mais poderoso ministro da Casa Civil de toda a história republicana, apesar de sua discrição.
E aí entra o detalhe fundamental: esse Ministro era amigo pessoal de Konder Reis. Eles costumavam, frequentemente, bater papo e tomar cerveja desde a época em que Konder era Senador. Com esse trunfo, mais seu invejável currículo político, ACKR parecia, aos olhos do Planalto, um candidato perfeito.
É oportuno lembrar que, embora o sistema militar já estivesse preparando a democratização e sua retirada da cena política, a ascendência do governo central sobre o “partido oficial”, o PDS, ainda era grande. Especialmente quanto à definição de candidaturas.
Por outro lado, Jorge não tinha uma ligação tão próxima com o Chefe da Casa Civil que lhe deixasse à vontade para uma tentativa de convencimento em direção contraria às preferências do Ministro. O que fazer, nesta situação? perguntou Jorge, a si mesmo. Nesse momento, lembrei a ele uma circunstância: eu conhecia João Leitão de Abreu bastante bem.
No Planalto com meu antigo professor.
O tão influente Chefe da Casa Civil tinha sido meu conterrâneo, lá na Cachoeira do Sul da minha infância. A residência de sua família era vizinha da casa de meus pais. Sua família, amiga da nossa; seu irmão, também chamado Paulo, um conhecido cardiologista, foi médico de meu pai. João Leitão de Abreu era um amigo próximo. E, em 1962, foi meu professor de Introdução à Ciência do Direito, na Faculdade de Direito da PUC em Porto Alegre. Nesta condição ele acompanhou minhas atividades, sempre à direita da esquerda, na política estudantil do Rio Grande do Sul. É provável que essas ligações familiares e didáticas, bem mais do que as protocolares, me concedessem um acesso favorecido aos ouvidos do Professor.
E assim foi feito. Não chego a dizer que tenha se tratado de uma missão secreta. Seria um exagero. Mas, foi sigilosa. A audiência, cujo pedido incluiu informações sobre minha ligação pessoal com o Ministro, foi rapidamente confirmada. Embarquei sem maiores explicações ao pessoal do GAPLAN, onde eu era Chefe de Gabinete, munido de uma pasta com as várias pesquisas de opinião.
A conversa com o homem mais poderoso do País.
Tendo em vista o contexto que precedeu meu encontro com Leitão de Abreu, não chegou a me surpreender a amabilidade e a alegria com que ele me recebeu. E também não me admirou o tempo de mais de uma hora que me foi concedido, coisa raríssima numa audiência dele durante o expediente. Após os naturais questionamentos sobre como estavam meus pais, sobre Cachoeira, os conhecidos de lá, e, também lembranças mútuas dos tempos da PUC, ele como professor e eu como aluno, entramos no assunto que me levara até lá: as eleições em Santa Catarina.
Informei que o Governador me enviara para lhe entregar uma série de pesquisas que haviam sido feitas sobre as possibilidades eleitorais de dois eventuais candidatos a Governador de Santa Catarina: Antônio Carlos Konder Reis e Esperidião Amin. E mencionei o fato de que, baseado nessas sondagens, Jorge abria mão da sua natural e inevitável preferência por seu primo em razão da necessidade de ter como candidato quem tivesse a maior probabilidade de vencer a eleição.
O Ministro examinou os resultados das pesquisas com sua professoral atenção e sisudez. Parecia ter todo o tempo do mundo para realizar essa tarefa. De vez em quando franzia a testa ou esboçava um certo ar de surpresa. Assim se passaram uns trinta minutos. Então, fechou a papelada, colocou na pasta, chamou a secretária, pediu que fossem feitas cópias do material e, quando as recebeu, devolveu-me os originais dos levantamentos da opinião catarinense.
Olhou-me e disse que, como provavelmente eu já sabia, ele era amigo de Konder Reis e que tinha o primo de Jorge Bornhausen na conta de um dos mais honrados e competentes políticos do Brasil. No entanto, mesmo assim, não tinha como discordar da opinião do Governador catarinense, com quem já estivera duas ou três vezes antes. Era importantíssimo vencer as eleições e aquelas pesquisas deixavam claro que a melhor possibilidade de atingir esse objetivo seria com a candidatura de Esperidião Amin para o Governo.
Pediu-me então que transmitisse a Jorge a garantia de todo o apoio possível da parte do Governo Federal a ele e a Amin na jornada eleitoral.
Próximo capítulo.
Na semana que vem, vou falar sobre o impressionante grau de polarização dessas eleições para o Governo, o Senado, e também para a Câmara e para a Assembleia Legislativa. Fenômeno nunca visto antes no Brasil, e nem depois, em um sistema pluripartidário.
Veja mais postagens desse autor