Santa Catarina de 1979 a 1982. A Era Jorge Bornhausen (IV).
Na semana passada mostrei uma das principais ações do Governo JKB na área cultural. A partir de uma ideia surgida em conversa com o Governador, que a abraçou imediatamente, e com o apoio e coordenação da Secretaria de Cultura e da FCC, foi lançado o Prêmio Cruz e Souza que, naquela primeira versão, era dedicado à poesia. O Prêmio recebeu grande destaque nacional. Relatei também uma missão urgente que me foi incumbida por Jorge: visitar o poderoso Ministro do Planejamento, Antônio Delfim Netto, em Brasília, para desentupir os procedimentos de aprovação de um vultoso financiamento internacional. Fui recebido no Ministério, no estranho horário de 6:30 da manhã. E meia hora depois tudo estava resolvido.
Eleição direta para Governador: um fato novo e complicado.
Em 1982 o assunto dominante em Santa Catarina, como nas demais unidades da Federação, era a eleição de Governador e Senador, além dos deputados. Eleição direta, livre de amarras, resolvida exclusivamente pela vontade e pelo voto direto dos eleitores. Essa situação era, até certo ponto, inusitada. Afinal, ainda vigorava no País o regime militar. O Presidente era o General João Figueiredo que já havia iniciado o processo de redemocratização, com a Lei da Anistia, o fim do bipartidarismo, a liberação de novos partidos, a volta do exterior dos que haviam sido banidos. Mas, o retorno ao sistema democrático ainda não fora concluído. O suspense era grande.
Jorge Bornhausen, que passaria à história como o último Governador eleito por voto indireto naquele período, estava se expondo a um duplo desafio. Por um lado, seria julgado pelas urnas já que ele próprio era candidato ao Senado, agora pelo voto coletivo dos catarinenses. Por outro, precisava comprovar sua liderança e comando com a vitória do candidato a Governador do Estado que teria seu apoio.
Já vimos, em comentário anterior, que Jorge viria a ser muito fortemente cobrado do sucesso dessas duas empreitadas pelo Presidente da República, em pessoa, durante a solenidade de recebimento, pelo catarinense, da Ordem Nacional do Mérito, em Brasília.
É claro, portanto, que o Governador de Santa Catarina precisava definir como candidato a seu sucessor alguém capaz de vencer a eleição. Não era admissível se enganar: cometer um erro de cálculo ou tomar decisões que envolvessem preferências pessoais, contagiadas pela emoção. A escolha do candidato principal tinha de ser obra do mais puro racionalismo, do mais genuíno pragmatismo. E era aí neste contexto que a situação se revelava particularmente complexa.
Córdova, Konder Reis ou Amin?
O primeiro grande problema é que a eleição aparentava ser bem difícil já que os adversários tinham candidatos bastante competitivos. No PMDB, para o Senado, quem estava no páreo era o respeitado Deputado Federal, ex-Prefeito de Joinville, Pedro Ivo Campos. E para o Governo estava escalado o combativo Senador Jaison Barreto. Parada duríssima.
No lado da situação, o do PDS, Jorge era unanimidade como candidato ao Senado, e eram cogitados, à certa altura, três possíveis concorrentes ao Governo: o Vice-Governador Henrique Córdova, o ex-Governador Antônio Carlos Konder Reis, primo de Jorge, e o então Secretário de Transportes e Obras do Estado e ex-Prefeito de Florianópolis Esperidião Amin. Córdova foi retirado da lista pouco depois porque havia consenso de que, com a renúncia de Jorge para ser candidato, ele teria de assumir o Governo.
A confidência.
Um dia, em meio a um despacho administrativo, o Governador Jorge Bornhausen me confidenciou que vivia um dilema particularmente complicado. Devido à necessidade de uma conclusão rápida sobre a candidatura ao Governo, haviam sido contratadas diversas pesquisas, cientificamente feitas, para avaliar o potencial de cada um dos dois possíveis candidatos: Konder Reis e Amin. E esses levantamentos indicavam, com indiscutível nitidez, que o jovem ex-Prefeito é quem tinha maior chance de vencer a eleição. Fosse Konder Reis o escolhido, haveria uma forte possibilidade de entregar o Governo para a oposição. E a própria candidatura de Jorge, que já não era fácil, correria sério perigo.
O entrave a ser contornado.
Apesar dos laços de parentesco, de respeito, e, também, de gratidão por ter sucedido o primo no cargo de Governador, Bornhausen era obrigado a ser realista e objetivo. Por isso, precisava que o candidato fosse Esperidião. Mas, havia um problema.
O ambiente era de abertura política e do gradual afastamento dos militares e do grupo todo que comandava o País. Eles tinham decidido que a decisão sobre quem seria o escolhido desta vez pertenceria ao povo. E não arredariam pé deste propósito. Porém, ainda tinham ascendência sobre o partido da situação, o PDS, e ainda influenciavam a definição das candidaturas. E, neste caso específico, lá no palácio do Planalto, em Brasília, havia uma preferência clara por Antônio Carlos Konder Reis.
De acordo, portanto, com as peças que estavam colocadas no tabuleiro, ou bem o pessoal de Brasília abria mão de suas expectativas de que o primo mais velho fosse o candidato, ou todos ficariam sujeitos a dar com os burros n’água. E o culpado preferido haveria de ser o Governador da unidade federativa em que a oposição teria vencido as eleições.
Com as peças se movimentando erroneamente, era preciso mudar o jogo. E foi aí que o Governador me convocou para certa empreitada.
Primo versus Primo?
Na época, fazia sucesso o filme “Kramer x Kramer”, com Merryl Streep e Dustin Hoffmann interpretando um casal envolvido em disputa judicial pela guarda do filho. A semelhança do título com o sobrenome Konder dos primos Antônio Carlos e Jorge, me inspirou um artigo para a coluna que eu publicava aos domingos no jornal O Estado, o mais importante de SC na ocasião. Batizei-o “Konder x Konder”. Mas, afinal, acabei não entregando o texto ao meu amigo e competente Editor Luiz Henrique Tancredo para publicá-lo. Achei que o rótulo do artigo, até mais que o conteúdo sobre o conflito pessoal de Jorge sobre o candidato à sua sucessão, poderia levar à interpretação de que existiria entre os primos um conflito pessoal, uma desavença, que, de fato, não ocorria. Como não queria desistir do título charmoso, desisti do comentário.
Próximo capítulo.
O destino da nova missão era, mais uma vez, Brasília. Mas, diferentemente do meu anterior encontro com o Ministro da Fazenda Delfim Netto, que teve objetivos administrativos, a próxima reunião versaria sobre política. E se vislumbrava ser bem mais intrincada.
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