O dilema das redes
Atualmente, aproximadamente 2 bilhões de pessoas estão inscritas na rede social Instagram. O aplicativo promoveu uma transformação nos modos de interação humana. Quando uma parte significativa da população mundial decide adotar as funcionalidades de um aplicativo, todos, de alguma forma, devem seguir algumas regras do jogo. A regra fundamental deste jogo (imposta pelas indústrias tecnológicas) é a de publicar fotos ou vídeos de acordo com os gostos e interesses do usuário. Não importa o conteúdo específico; o essencial é publicar algo alinhado com os interesses individuais, mesmo que muitos usuários tenham desenvolvido o hábito de compartilhar selfies e outras imagens pessoais.
As razões que levam as pessoas a publicarem fotos ou vídeos pessoais estão ligadas a uma necessidade intrínseca do ser humano de receber “aprovação social”. O usuário publica conteúdos, mas sempre à espera de receber um feedback. Dito de outra forma, o usuário ativo publica conteúdos para obter o reconhecimento a respeito de suas próprias ações. Nesse sentido, delega-se ao público o direito de opinar, mediante o like, sobre nossas próprias vidas, auto-convertendo-nos em sujeitos passivos, ou alvos de julgamento.
O desejo de reconhecimento social é uma tendência intrínseca na natureza humana. Portanto, é algo necessário e que sempre existiu, desde quando o ser humano viu a necessidade de integrar-se a determinadas comunidades. Porém, e desde a minha humilde opinião, as redes sociais desnaturalizam essa tendência humana, levando a uma degradação e a uma perversão do indivíduo, assim como da sociabilização, sob diferentes perspectivas. Em primeiro lugar, a necessidade de “aprovação social” dentro dessas redes parece não ter limites. Jovens e adultos acabam se convertendo em sujeitos de validação constante, e essa tendência poderia levá-los a uma dependência exacerbada dos “likes”. Como bem dizia o filósofo Jean-Paul Sartre, em uma de suas excelentes obras sobre o existencialismo, os outros podem acabar se convertendo no inferno. “Os outros são o inferno”. Em segundo lugar, muitos usuários buscam aprovação social em todas as esferas de sua vida. Mostrar-se “cool”, economicamente bem-sucedido, esteticamente conforme aos padrões estabelecidos e, em geral, mostrar uma vida “feliz” e “positiva” são atitudes pelas quais o próprio indivíduo exige demais de si, eliminando muitas vezes seus próprios desejos para cumprir com as expectativas do público.
Mas também, desde a perspectiva do usuário que não necessariamente publica conteúdos, mas que adquire o hábito de visualizar publicações alheias de outros usuários e que, no entanto, passa enormes quantidades de horas nessas redes, observa e se retroalimenta das vidas alheias, fomentando um exercício de comparação frenética e competitiva, ao ponto de questionar negativamente a sua própria vida.
Alguns filósofos atribuem esses comportamentos nas redes sociais a um novo “dispositivo de poder” e controle social, impostos pelas grandes tecnologias. Nas redes, invoca-se aos usuários o dever moral de despir integralmente sua vida privada, com o fim de torná-las públicas, fomentando uma sociedade auto-vigiada e controlada. Há décadas, dava-se maior prioridade à conservação e ao cuidado da vida íntima. Hoje em dia, está instaurada uma “lógica da transparência”: conte a todos (ao público) como foi o seu dia, quais são suas preferências, diga onde você está e o que está fazendo!
Essa forma de revelar todos os aspectos íntimos de nossa vida privada a um público majoritariamente desconhecido descreve uma função similar aos confessionários instituídos pela Igreja Católica em períodos de regime teocrático. Naquela época, a Igreja exercia seu poder de controle teocrático, convencendo seus fiéis a revelar sua consciência interna (intenções, desejos, ações cometidas) com o fim de julgá-los e perdoá-los caso houvesse transgressões da lei divina. Há indícios de que as sociedades denominadas “tecnopoder”, referidas ao uso do poder político apoiado por tecnologias avançadas, exerçam uma função similar de controle e vigilância de todos os âmbitos da vida humana.
Há diversas formas de interpretar as redes sociais, tanto criticamente quanto sob uma visão mais positiva. Mas as estatísticas mais recentes revelam uma maior preocupação quanto aos efeitos negativos do uso das redes nas sociedades. Por isso, a necessidade de manter nossos olhos abertos e conscientes diante de práticas tecnológicas que se inseriram integralmente no contexto moderno, transformando os indivíduos e o contexto no qual vivem.
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