Lei Orgânica e a Reciprocidade Estatal: dos Ataques em Escolas às “Síndromes Policiais”. Quando a valorização policial não encontra respaldo nas atribuições funcionais
Na semana passada, 17/4, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) realizou um importante evento na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC), onde reuniu mais de 200 representantes do Sistema Brasileiro de Inteligência de diversos órgãos dos Estados do Sul (SISBIN-SUL) – além de acadêmicos, parlamentares e membros da sociedade civil –, para debater os ataques em escolas, no contexto do extremismo violento.
Diante das palestras e painéis, um ponto comum: a importância das Polícias neste processo de prevenção e combate às atrocidades cruéis e de cunho terrorista perpetradas em escolas.
O que inicialmente pode parecer óbvio – a relevância e protagonismo das Polícias nesta pauta –, precisa ser cuidadosamente debatido e seriamente ratificado.
Diante de tantos “mentes” no texto, ou das mentes que mentem sobre o tema, é preciso mais um que argumente. Isto, pois, notadamente, não existem Polícias sem policiais, prevenção sem a atividade de Inteligência e combate/enfrentamento sem instituições de segurança pública treinadas, equipadas e interligadas.
Lisonjeadas ou toleradas? Louvadas ou difamadas? Embora bem conceituadas, mal remuneradas! Talvez, desoladas. Quanto às instituições e seus membros, reflitamos!
Novamente, o óbvio precisa ser dito: não existem Polícias sem policiais! Homens e mulheres que, diuturnamente, 24h por dia e mesmo de folga, férias ou licenças, têm o dever de servir e proteger a sociedade; ou alguém esqueceu do papel do garantidor lá do artigo 13, §2 do Código Penal?
Aquele regramento cujo texto legal amolda que “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”, e continua ponderando no parágrafo segundo que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”.
Ou seja, “tal dispositivo prevê punição àquele que, tendo o dever legal de agir e podendo fazê-lo, se omite ante o acontecimento de um crime. É a chamada ‘relevância penal da omissão’; papel do ‘Garantidor’ ou ‘Garante’ ”. Foi o que pude explicar no ano de 2022 em artigo intitulado “Policiais desarmados nas eleições e o paradoxo penal do ‘Garantidor’”.
O fato é que essa moldura típica recai àqueles que abrem mão do convívio familiar e da própria tranquilidade mental para, simplesmente, exercer seu labor: os policiais!
Eis que diante desse claro e evidente papel na sociedade, a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis (n° 14.735/23) – que em linhas gerais unifica o regramento legal acerca dos direitos, deveres e garantias da categoria nos Estados e no DF –, fora sancionada com inúmeros e decepcionantes vetos presidenciais.
Destaca-se que inúmeros direitos foram vetados, como o pagamento de indenizações (por insalubridade, periculosidade e trabalho noturno), de ajuda de custo em remoção, do auxílio-saúde com caráter indenizatório e das licenças-gestante, maternidade e paternidade e, inacreditavelmente, o regramento da carga horária máxima semanal de 40 horas, com direito a horas extras. Isso mesmo!
Tamanho descalabro ganhou contornos irônicos: a necessidade de articulação no Congresso Nacional a fim de rejeitar tais vetos presidenciais à Lei Orgânica da Polícia Civil e que, até o fechamento deste texto, teve sua votação adiada e sequer foi apreciado.
Diante de tanta “composição política”, é de se pensar que tais direitos possam ser interpretados como favores a quem arrisca a própria vida ao adentrar em uma escola que está sendo alvo de um terrorista suicida, por exemplo.
É preciso reciprocidade do Estado com os policiais, mormente no que tange à remuneração e às perspectivas funcionais nas carreiras. Isso que não adentramos à temática da saúde mental destes profissionais, o que certamente ensejaria outro artigo.
Voltando ao ponto, é como se vivenciássemos no Brasil, atualmente, síndromes. Tanto a chamada “síndrome de Estocolmo”, como a “síndrome do Impostor”.
Na primeira, as vítimas de extorsão mediante sequestro ou cárcere privado, desenvolvem um sentimento de cumplicidade, solidariedade, lealdade e até de amor por seus algozes raptores. Causas ligadas à sobrevivência e uma espécie distorcida de gratidão.
Já na segunda, se está diante de indivíduos com tendência à autossabotagem por construir, mentalmente, uma percepção de insuficiência, incapacidade ou incompetência, vindo a se colocar em posição de demérito; mesmo tendo habilidades comprovadas por resultados positivos. Componentes de baixa autoestima, níveis altos de cobrança e sensação de não merecimento.
Coincidentemente ou não, oportunamente o momento exige, também, uma profunda reflexão daqueles que operam a segurança pública.
Reflexões como as já materializadas no texto “Advocacia brasileira num olhar para si; interseções à ‘Teoria dos Jogos e Processo Penal’”, ao dizer que “um verdadeiro olhar para si, onde o autoconhecimento, as expectativas profissionais e o cenário jurídico que estão inseridos devem ser a tônica de uma atuação profissional proba, respeitosa e, assim, respeitada”. Facilmente, trecho aplicável ao escopo da aqui presente discussão.
Por fim, conclui-se com pensamentos que, reiteradamente, já foram expostos. No artigo “Policiais desarmados nas eleições e o paradoxo penal do ‘Garantidor’”, alertamos que “tal celeuma expõe, talvez, muitas nuances que só os operadores da segurança pública – aqueles que sentem ‘o cheiro das ruas’ -, experienciam: a criminalização da polícia e, agora, uma espécie de cerceamento da sua cidadania. Afinal, policial o é 24h por dia, 7 dias por semana; até quando vota.”.
Sumariamente, os direitos policiais não podem ser tratados sucintamente, abruptamente, vagamente ou inclemente pelo Estado.
Afinal, a sociedade não pode estar à margem de tantos “mentes”, àqueles de cujas mentes mentem quando discursam genericamente pela valorização da segurança pública. Obviamente, o país precisa daqueles que aumentem o valor dos policiais!
Pelos policiais, incessantemente, FORÇA & HONRA!
Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito, e pós-graduado em Inteligência Criminal. Escritor e coautor de livros, é articulista nos principais veículos jurídicos do país, palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC). Atualmente, é Agente de Polícia Civil e integrante do corpo docente da Acadepol (PCSC). No ano de 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz e, em 2023, recebeu Moção de Aplauso da ALESC. Recentemente, ganhou destaque nacional por ser o autor da sugestão legislativa de propositura de Projeto de Lei (apoiada pelo Conselho Federal da OAB), que visa incluir no Código Penal, qualificadoras a crimes praticados contra Advogados no exercício da função (PL 212/2024). Instagram: @miranda.coutinho_
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