Fui obrigado a escrever este texto quando soube da denúncia feita ao Ministério Público pelo suplente de vereador de Florianópolis, Leonel Camasão, contra o colunista Cacau Menezes do Grupo ND, pelo crime de racismo. A obrigação de escrever se dá pelo fato de eu ser muçulmano, algo que não costumo revelar por achar que não há necessidade, por ser algo muito particular. No entanto, também sou jornalista, o que me obriga a sempre lutar para que a verdade seja restabelecida quando ela é ultrajada.

Esse senhor escreveu o seguinte: “uma manifestação, disfarçada de ato cultural, está marcada para o próximo sábado no Parque da Luz, em Floripa. A ordem aos palestinos é matar judeus no mundo todo. Então, não será surpresa se defensores dos atos terroristas do Hamas começarem a marcar casas e comércios de judeus em Floripa, com a Estrela de Davi, como já se vê na Europa, para fomentar ataques pessoais e depredações. É esperar para ver. Lá em Paulo Lopes já tem gente desconfiada de que está saindo muito dinheiro de Floripa para financiar foguetes lançados contra Israel, que a cada dia aumentam mais.”

É importante dizer que sou totalmente contra a censura. No entanto, é crucial separar a liberdade de expressão da irresponsabilidade, da “libertinagem de expressão”, como é o caso desse senhor. O Ministério Público não pode ficar de braços cruzados diante de um ato escrachado e covarde de ataque a uma comunidade que sempre viveu em paz, contribuindo para o crescimento de Florianópolis e região. O que mais me impressiona é que esse tipo de texto passa pelo editor(a) que permite a publicação sem o mínimo senso de responsabilidade, sem pensar em quão impactante ele pode ser para as pessoas afetadas por algo tão preconceituoso.

O fato é que Cacau Menezes mostra todo o seu desconhecimento frente a um assunto que exige a máxima responsabilidade de quem se comunica com o público, como nós. Falta-lhe ler, estudar e entender que ser palestino não é apoiar o Hamas, e que o Hamas não representa o povo, mesmo dominando a Faixa de Gaza, que, aliás, não é toda a Palestina. Ele não demonstra a mínima capacidade para entender que é preciso condenar o Hamas, não a população inocente que morre diariamente, principalmente crianças. E com certeza, não há empatia em uma pessoa que tem a audácia de criar em sua mente fértil um conflito bem aqui, a milhares de quilômetros do Oriente Médio, querendo colocar a sociedade contra a comunidade árabe.

Mas não é de se estranhar. Esse senhor, Cacau Menezes, há um bom tempo vem flertando com o absurdo. Quem se lembra do puxão de orelhas que recebeu da Associação dos Praças de Santa Catarina (Aprasc) em 2015? O motivo foi que ele publicou uma foto na coluna em que escrevia para o extinto Diário Catarinense, com uma policial que aparecia de costas, sob os dizeres: “Opinião é unânime: a qualidade da PM de Santa Catarina é a melhor do Brasil”, praticamente incitando a cultura da mulher como objeto e expondo a policial em questão, o que, segundo a Aprasc, resultou em atos que a constrangeram e também à sua família.

Como se não bastasse, também optou pelas fake news. Em uma delas, escreveu que o show do Lulu Santos que aconteceria nos próximos dias em Criciúma foi desmarcado por conta de um boicote dos que ele chama de “patriotas”, devido à posição política do artista na última eleição. Se tivesse apurado, saberia que dois motivos ocasionaram o cancelamento: um foi a morte do produtor da empresa que traria o artista ao estado e o segundo foi um problema na produção do espetáculo, que nada tem a ver com boicote, conforme me informaram profissionais responsáveis da imprensa de Criciúma. Mas para Cacau, o que valeu foi mais um comportamento oportunista para defender o que diz serem seus “valores”.

Ora, Cacau, logo você, que em novembro de 2019, escreveu um texto dizendo que “Recordar o primeiro show de Lulu Santos em Floripa é tocar no último grande momento de pureza da cidade”, show que, aliás, o próprio Cacau foi o responsável por trazer para Santa Catarina. Logo você, que é bem conhecido por movimentar a cena musical da capital. Logo você, que andou com Júlio Barroso, e todos que conhecem a história da música brasileira sabem a fama daquele personagem e agora vem brincar de conservador? Sinceramente, acho que Nelson Motta, aquele que você escreveu que “era tudo o que você queria ser quando crescesse”, não o reconheceria mais, pois Nelson é da poesia, das artes, da ciência, de uma sociedade inteligente, não radical como você passou a ser. E não há problema algum em a pessoa ser de direita ou de esquerda, o que não pode faltar é honestidade intelectual e respeito ao próximo, o que parece que o senhor não tem.

É uma pena que uma figura que era vista por proporcionar entretenimento tenha se transformado em um personagem caricato para ganhar likes e seguidores. Em suma, um fantoche do extremismo.

Mas a memória das pessoas sabe quem é Cacau Menezes, e isso não se apaga por causa desse seu comportamento artificial. O senhor sabe que isso é verdade. Tanto é verdade que fico imaginando o quão complicado deve ser quando o senhor se olha no espelho e vê refletida a imagem do que não é. Mas se está disposto a pagar esse preço, vá em frente, pois a conta é toda sua. Só tenha mais responsabilidade e respeito pelas pessoas.

Sobre a Palestina

É preciso saber separar as coisas. Primeiro, o que o Hamas fez foi uma barbárie que deve ser condenada por todas as pessoas de bom senso. Não entender que o Hamas cometeu uma violência atroz é naturalizar um comportamento que poderá vir a se repetir contra si próprio; afinal, a violência está em todas as sociedades do mundo.

Agora, é preciso não fechar os olhos para o que há ao redor do ataque terrorista contra a população israelense, não que haja justificativa. Mas é fundamental discutir o que ocorre naquelas terras desde o final da década de 30, aliás, desde 1917 quando houve a Declaração Balfour, sobre a simpatia do Império Britânico com a ideia da criação de um Estado Judeu na Palestina. Em 1948, a ONU aprovou a criação de dois estados, sendo 55% para Israel, Jerusalém sob controle internacional, e o restante para os palestinos que não aceitaram perder suas terras, e começou aí todo o problema.

Vale dizer que o problema não está em dois estados; pelo contrário, está na existência de apenas um. Quando houver dois estados lado a lado, sem sombra de dúvidas, teremos paz naquela região. Assim como Israel merece existir em paz, a Palestina também tem esse direito. Acontece que Israel não aceita um estado dos palestinos, e o mundo fica de braços cruzados acusando a população árabe de não ter criado seu estado, o que é uma grande mentira. Praticamente todas as negociações sempre foram desfavoráveis aos palestinos, com exceção de Camp David em 2000, quando Bill Clinton reuniu Yasser Arafat e Ehud Barak, e se chegou a um ensaio do que poderia ser um estado palestino minimamente aceitável, mas que ainda necessitaria de novas negociações no futuro. Mas essa parte eu conto com mais detalhes em outro momento.

Agora, o mais difícil está por vir. A paz é difícil porque nem o governo de Israel e tampouco o Hamas a desejam. Israel quer seguir colonizando a população da Palestina, de onde tem mão de obra barata, e da forma como está, consegue seguir criando assentamentos. Enquanto para o Hamas, não é negócio o fim das hostilidades, porque perderia sua razão de existir, mesmo vendo seu povo em desespero pela criação de um país de fato.

É necessário ter o claro entendimento de que os líderes do Hamas querem seguir enchendo os bolsos de dinheiro que é enviado da Europa para ajudar a população, mas que acaba ficando para eles. Fanáticos religiosos? Ora, só para inglês ver; são exploradores de seu próprio povo, isso sim. Em suma, não há bonzinhos nem heróis entre o Hamas e o governo de Israel; só há vítimas, e essas são os civis palestinos e israelenses.

Quem conhece Israel sabe bem que não precisava destruir a Faixa de Gaza para libertar os reféns e pegar os militantes do Hamas. A Mossad e a Sayeret Matkal, que são qualificadas unidades de reconhecimento geral, teriam plenas condições de fazer operações muito mais eficazes, sem causar as mortes de civis palestinos como está ocorrendo. Mas isso não é feito pelo simples fato de que Israel quer tirar as pessoas do Norte de Gaza para jogá-las no Sinai, no Egito. Quer expulsar essas pessoas de suas terras, e não se surpreendam se Israel anexar o Norte de Gaza e ocupar com mais assentamentos aquela região. Esse é o plano.

Além disso, há a acusação de limpeza étnica. Isso a cada dia que passa fica mais evidente. O ministro do Patrimônio de Israel, Amichay Eliyahu, foi muito claro ao afirmar, em uma entrevista concedida ontem, que deveria ser usada arma nuclear em Gaza. Ele é ligado a nada mais, nada menos que Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, que é a favor da expulsão dos palestinos de suas terras e de propagar ódio aos árabes. Sabem o porquê dessa gente estar no governo israelense? Estão porque Benjamin Netanyahu precisava retomar o poder para tentar se livrar das três acusações de corrupção das quais era alvo; para isso, estendeu as mãos aos extremistas.

Portanto, é preciso falar o que ocorre de verdade. Falar que é uma guerra milenar, religiosa, é balela de quem não entende patavinas do que ocorre naquela região, principalmente após 1948. Israel até hoje não cumpriu uma resolução sequer da ONU, segue mantendo o controle das áreas palestinas com postos de checagem, ou seja, os palestinos só podem se deslocar dentro de suas terras após passar por postos controlados pelo exército israelense. Todas as importações e exportações passam por Israel; até mesmo as autorizações de viagem. Os palestinos muçulmanos só podem rezar em Al Aqsa se Israel permitir e isso tudo ocorre sem que a ONU nada faça.

Portanto, eu repito: a única chance de paz é o recuo de Israel, com o fim dos assentamentos na Palestina, o fim da colonização da população, a prisão de fato dos integrantes do Hamas e a criação de um Estado palestino soberano. Sem isso, a paz é apenas uma palavra solta dita sempre que a situação esquenta por lá. Só não esqueçam: há crianças que estão sendo mortas diariamente por ataques que não são contra o Hamas, são contra a população palestina.